Objetivo


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

MÚSICA - VINICIUS : A VIDA ROMÂNTICA DE UM POETA


2 de janeiro de 1980
Revista Manchete
Depoimento a Reynivaldo Brito e Tarlis Batista
Foto Manchete
Não nasceu para negócios, mas para o amor e para a vida. No dia 19 de outubro de 1913, na Rua Lopes Quintas, 114, Gávea, o nascimento de Marcus Vinícius da Cruz de Melo Moraes trouxe alegria e preocupação. O pai tinha algum dinheiro, fizera maus negócios na ocasião, com o nascimento do garoto teve de emigrar, procurar vida mais barata. A família deixou a aristocracia da Gávea e foi para o Cocotá, na Ilha do Governador, então muito bucólica, sem ponte e sem praias poluídas.
Ali, o menino Vinícius tomou contato com a natureza, à vida desinibida e livre dos pescadores e dos pobres. Nunca perderia esse chão de infância.
Mas havia que estudar e na ilha não havia bons colégios. Vinícius é matriculado no Santo Inácio, onde reinicia, gradualmente, seu retorno à Zona Sul, mais precisamente, à Gávea, onde, aos 66 anos, morreria.
No colégio dos jesuítas, a fase espiritualista, católica, conservadora, as influências de pias leituras e, mais tarde ainda, na Faculdade de Direito, a influência de Santiago Dantas e Octavio de Faria. Vinícius não chegou nunca a ser um reacionário, mas andou perto.
Como acontecia naquele tempo, falsificava-se facilmente a idade para um menino precoce poder cursar a faculdade. Com 16 anos, já acadêmico de Direito, faz a primeira letra, Loura ou Morena, música de Haroldo Tapajós, gravada em disco Colúmbia pelos Irmãos Tapajós: Paulo e Haroldo, Ano do evento: 1932. Repetiu a dose com os mesmos parceiros, fazendo foxtrotes que tiveram algum sucesso. Mas não dava para ganhar a vida. Com 19 anos, já formado, sonda o mercado de trabalho e verifica que não dá para advogado. Preferia ficar lendo, num bar, tomando um chopinho, e, sobretudo, vendo passar na calçada às moças cheias de graça.
Anos mais tarde, eternizaria esse hábito e essas moças na figura da Garota de Ipanema. Sempre influenciado pelo catolicismo, ele publica seu primeiro poema na revista A Ordem, fundada por Jackson de Figueiredo. A Transfiguração da Montanha foi levada por Octavio de Faria a Alceu Amoroso Lima, que dirigia a revista. Todos pareceram gostar inclusive o próprio Vinícius, que no ano seguinte estréia em livro: Caminho Para a Distância. Seu amigo Octavio de Faria dedica-lhe um ensaio em que estuda a ainda escassa obra de Vinícius ao lado de outro estreante, Augusto Frederico Schmidt. Relembrando essa fase, Vinícius não teve piedade de si mesmo: “Minha poesia inicial tinha de ser esotérica e metafísica. Era muito artificial. Felizmente, minhas curtições de menino criaram em mim um nódulo natural de resistência contra os erros da minha formação, que me permitiram, quando mais adulto, optar por uma simplificação de meu instrumento de trabalho, no sentido de comunicar-me mais e melhor”.
O segundo livro se enquadra dentro desse período sombrio e tem um título óbvio: Forma e Exegese (1935). Apesar de tudo, é um poeta desempregado, até que consegue o seu primeiro emprego sério: o de censor de filmes, de 1936 a 1938, ocupação pouco brilhante e democrática da qual logo procurou se livrar. Arranjou uma bolsa-de-estudo. Aos 24 anos, o primeiro casamento, por procuração. A noiva, Tati, morava em Londres. Foi o início da outra e da mais comprida obra do poeta: o amor.
O casamento durou bastante, foi o mais longo. Vindo do exterior, o casal foi morar no Leblon, numa casinha da Rua General São Martin. Ali se reunia uma turma de amigos, mas a boca-livre era moderada pois o dono da casa continuava sem emprego. Aí apareceu a opção do Itamarati. Naquele tempo não existia o severo vestibular do Instituto Rio Branco. Mesmo assim, havia um concurso e Vinícius passou uns tempos estudando seriamente, só conseguiu passar na segunda tentativa. Deve a sua carreira diplomática à influência de sua mulher Tati e de seus amigos diplomatas Jaime Azevedo Rodrigues e Lauro Escorel. Em 1943 recebe o primeiro posto no exterior: Los Angeles. Serviria na carreira diplomática durante 25 anos, mas nunca levou a sério a função.
Mas importante do que tudo foi à viagem que fez pelo interior do Brasil em companhia do polonês Waldo Frank. A intimidade com o Brasil de verdade provocou a virada total em sua vida: na poesia, na ideologia, na maneira de viver e, até, no modo de amar. Libertou-se gradativamente das amarras e entrou de cabeça na vida. Para Viver.
Daí em diante, a vida de Vinícius se confunde com a do tempo em que viveu, nos setores da música popular, do espetáculo, da badalação e até mesmo da política.
Duas importantes vertentes se formam na obra viniciana, dividida esquematicamente em dois segmentos básicos: a poesia em termos eruditos ou em letras de canções populares; e o roteiro infinito de suas andanças amorosas, sintetizadas em nove casamentos e diluídos em diversos casos, sobretudo, na imagem do grande amante que, de uma forma ou outra, influencia homens e mulheres de duas gerações.
Como poeta, ele conseguiu ser maravilhosamente fiel às mulheres com as quais se casou e amou enquanto o amor foi amor
A série de casamentos iniciada com Tati prolongou-se, em 1952, com Regina. Seguiram-se: Lila Bôscoli, Lúcia Proença, Nelita Abreu Rocha, Cristina Gurjão, a baiana Gesse, a argentina Martinha e Gilda, a última. Mais do que um rosário de nomes, foi uma vivência de amor que ele esboçara, pela primeira vez em letra de forma, numa edição de MANCHETE, em 1955, na seção intitulada A poesia é Necessária. Ilustrado por Carlos Thiré, aparecia Receita de Mulher, com a indicação: “Poema inédito, enviado de Paris especialmente para esta página.” O poema tornou-se famoso, principalmente pelo seu citado começo: “As muitas feias que me perdoem/ mas beleza é fundamental.”
A ruptura de Vinícius com o mundo acertado e frio é total. Pouco a pouco, ele abandona uma série de convenções, a gravata, o paletó os cabelos corretamente cortados, engorda e emagrece conforme a vida vai levando, curte corajosamente suas fossas, atola-se no amor (“O que mais gosto é do agarramento”), participa de movimento bossa-nova, onde logo conquista o lugar que ninguém lhe tira: o de melhor letrista. Ao mesmo tempo que muda de mulher, muda de parceiros e ele próprio admite que há alguma analogia na parceria de uma vida e na parceria de uma canção: o mesmo ciúme, o mesmo gostar muito e, finalmente, a exaustão, o não ter mais nada a dizer.
Antônio Carlos Jobim, Carlos Lira, Baden Powell, Toquinho – ele influencia diretamente todos demais letristas e se torna o Poetinha das rodas boêmias, o adulto maldito da sociedade bem-comportada.
Em 1968, já famoso internacionalmente através de seu filme Orfeu do Carnaval e de algumas letras que percorriam o mundo, Vinícius é aposentado a força de suas funções de diplomata – que, aliás, ele próprio era o primeiro a desprezar. Dá expediente, então de boêmio, em regime full time. Deixa o Rio por uns tempos, considerando a cidade em que nascera muito cruel e agressiva. Vive uns tempos na Bahia, jura que nunca mais sairá de lá, “a Bahia está mais perto da verdade”, mas o sonho dura o que duraram suas paixões e ele volta ao mundo e ao Rio. Só conseguiu ser fiel ao grande amor, que para ele não estava numa mulher ou numa situação, mas num clima interior.
“Vinícius havia chegado a Paris, em 1956” – conta Cristina Gurjão – “e o Ronaldo Bôscoli me apresenta a ele. Na época Vinícius estava casado com Lila Bôscoli. Eu tinha 16 anos e fiquei deslumbrada com a possibilidade de frequentar a casa dele. Acabei me tornando amiga do casal. Mas nada havia entre nós. Depois ele se separou de Lila e se casou com Lucinha Proença. Eu só me casei com ele em 1968. Foi um casamento que durou quase três anos e nesse período tivemos uma filha, Maria, hoje com 10 anos. Vinícius foi um dos seres humanos mais perfeitos que conheci. Foi, inclusive, um bom pai. Todas as vezes que vinha ao Rio encontrava tempo de se dedicar a Maria. A influência dele está se refletindo agora em nossa filha, cujo temperamento é bastante parecido com o de Vinícius”.
Além de distribuir amor, Vinícius distribuiu talento e alegria com seus numerosos parceiros e amigos da música, do teatro e da vida
“Meu primeiro encontro com Vinícius – diz a baiana Gesse – foi durante a filmagem de Sol Sobre a Lama, dirigido por Alex Vianny e cuja trilha sonora era de Pixinguinha e dele. Foi um simples conhecimento, não um contato estreito. Em 1969, quando Vinícius colocou as mãos sobre o cinema da calçada da fama, em Ipanema, segui com Maria Bethânia e alguns outros amigos baianos para uma boate. Vinícius foi conversando com todos, de repente estávamos ele e eu sozinhos, fomos para uma boate onde Luizinho Eça tocava ao piano. Vinícius começou a cantar canções para mim. E assim tudo começou. No dia seguinte voltei para a Bahia e pouco tempo depois recebi um telegrama pedindo que eu viesse ao Rio. Arrumei as malas e vim ao seu encontro, seguindo com ele para o Uruguai. Ele iria realizar uma temporada por lá. E lá nos casamos. Foi, aliás, o nosso primeiro casamento. O segundo aconteceu em 1973, no candomblé. Nos sete anos que durou nossa ligação, ele foi muito feliz. Vinícius me cercava de muitas atenções e carinho. Sei que muitas mulheres povoaram a sua vida durante o nosso casamento. Ele viajava, em temporadas pelo interior, eu telefonava para o quarto dele, uma mulher atendia, dizia que era a camareira, a arrumadeira, mas eu sabia que era outra amada. Não me aborrecia. Afinal, o seu amor era eterno enquanto durava. O nosso, enquanto durou, foi eterno. Recebia flores de todos os cantos do mundo, fui carregada no colo e tive todas as minhas vontades realizadas pelo homem maravilhoso que um dia me amou”.
Vinícius não fazia por menos. A um repórter confessou um dia: “O que eu gostaria mesmo é de reunir a mulherada toda, desde Tati, todas as minhas namoradas, mulheres, casos, flertes, encher a casa com elas, fazer aquele porão de Fellini em Oito e Meio, a promiscuidade total, o amor total”.
Para um homem assim, para um poeta simples e consumado, a vida não podia estar dissociada de sua obra. Mais do que escrever poesia, ele vivia a própria poesia em sua vida, em sua paixão e em sua glória.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

MÚSICA - "MINHA CASA É UM HOSPÍCIO.EU SOU UM LOUCO-BELEZA!



Revista Fatos e Fotos / Gente 14 de maio de 1979



“Na realidade eu sou um cientista. Estudei muito filosofia e agora me dedico à parapsicologia. Já estive envolvido com esoterismo. Já bebi da água de várias ciências”

Quem fala assim? Pode causar espanto, mas é o cantor e compositor Raul Seixas, no momento convalescendo de uma cirrose hepática na Bahia. Apesar das proibições de seu médico, no sentido de dar entrevistas ou fazer qualquer esforço físico, Raul quis desfazer alguns mal-entendidos: “as pessoas acharam que eu tinha pirado e estava internado num hospício”. Bem como comentar o preparo do próximo LP, pela Warner, cujas músicas vêm compondo, durante este “descanso compulsório”. O contato com a gravação, informa Raul, deverá acontecer dentro de uns dois meses, “quando eu tiver colhido os frutos do meu retiro espiritual”.

Sobre Mata Virgem – um trabalho recente – o artista esclarece que o disco foi produzido “em cima de um sentimento bucólico. Passei algum tempo ligado às coisas da fazenda, da roça, com o gado e os lavradores”.

Raul ressalta que o repertório do LP a seguir “é mais transcendental, trata dos estados de consciência. Sabe, estou fazendo um sério esforço para enlouquecer. No bom sentido, é claro, quero alcançar um ponto X”.

E que ponto X será este? Embora Raul Seixas considere difícil pôr em palavras todas as sensações que ocorrem no processo da criação, conta que, todos os dias, durante uma hora, se entrega à meditação.

“Eu entro numa espécie de estado cataléptico, hipnótico, onde a música surge no ar. Primeiro, aparece uma luminosidade a as luzes começam a transforma-se em sons. Cada cor se transforma em vários tons. Daí nasce uma canção, quase que inteira. (Aqui, uma advertência.) Isto, na realidade, é um estado de loucura, porque saio da minha faixa normal para entrar numa paranormal.”

Na escala musical, o cantor garante, cada nota tem a sua cor específica. O lá maior, por exemplo, é vermelho; o mi maior, verde; o ré maior é amarelo-canário, enquanto o si bemol é verde-musgo.

“Olha, é tudo uma questão de opção, sabe? Prefiro controlar minha própria loucura, canalizando-a para as minhas músicas, do que entregar-me a um psiquiatra que seria incapaz de captar meus sentimentos e desejos.”
Foto de Aristides Baptista





DISCOS VOADORES - APARELHO DETECTA DISCOS VOADORES




REVISTA FATOS E FOTOS / GENTE 14 DE MAIO DE 1979
SISTEMA DE ALARME CONTRA OS DISCOS VOADORES


Um aparelho compacto, leve, que funciona com pilhas comuns, tem regulador de sensibilidade, pode ficar desligado para economizar baterias, mas reage ante a aproximação de qualquer objeto não-identificado. Eis, em poucas palavras, o que dois técnicos baianos (Ederval Manoel de Mendonça, 28, e Evandro Araujo Leal, 31) integrantes do Grupo de Pesquisas Aeroespaciais Zenith G-PAZ, descobriram, com o objetivo de detectar discos-voadores e mistérios afins, através de um sistema de alarme que intercala uma sirene e uma luz vermelha.
“Bem mais eficiente do que o similar suíço” – dizem. Entre outros motivos, porque aciona a audição (sirene) e a visão (luz) nossa de cada dia. Dizem ainda que a sensibilidade desse detector de OVNIS é bem mais apurada. Não fosse ele, baiano. E a quem interessar possa: dentro em breve serão produzidos em série, por Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros), a cada um dos muitos centros de pesquisas e estudos existentes no Brasil e no exterior.
Tudo começou por volta de 1974, quando Ederval, um técnico em eletrônica, estava na cidade de Dias D` Avila, no interior da Bahia, e tomou conhecimento de que um disco voador tinha dado um passeio por lá. Importante é que ele teve a curiosidade (e a paciência) de investigar o possível local onde o tal disco teria feito algumas evoluções. Num pequeno morro, notou logo que havia uma queimadura no chão, formando um círculo perfeito (detalhe: as folhas dos arbustos estavam destruídas de cima para baixo). Ederval continuou examinando a vegetação rasteira e as pequenas árvores, notando que, em algumas folhas, apareciam pequenos furos provocados por uma radiação muito forte. Diz ele:
– Tenho a certeza de essas queimaduras não foram feitas pelo homem, porque seria necessário um combustível especial. Tudo me leva a crer que foi feita por um aparelho extraterreno e, inclusive, a queimadura em forma de círculo perfeito foi o que mais me intrigou.
Do pensamento, Ederval passou à ação: procurou o pessoal do Grupo de Pesquisas Aeroespaciais Zenith G-PAZ, presidida pelo argentino e publicitário Alberto Romero, e fez seu relato. Voltaram ao local, fotografaram plantas e colheram material para estudos de laboratório. Ederval e Evandro (também técnicos em eletrônica) ficaram logo interessados no detector suíço de propriedade do grupo. Estudaram o aparelho e chegaram à conclusão de que podiam produzir outro, melhor.
Durante seis meses Ederval e Evandro trabalharam em seu laboratório, tentando desenvolver um protótipo. Depois de mil e uma pesquisas atingiram seu objetivo: o detector deles. E estão mais do que confiantes quanto à sua aceitação, garantindo que a idéia básica de um aparelho desse tipo está baseado nas alterações do campo magnético, que, geralmente, são provocadas pela presença de um disco voador.
Ederval se apressa em esclarecer:
– Há dois tipos de campos magnéticos: o dinâmico, isto é, aquele que está em movimento, no caso, o dos objetos não-identificados; e os estáticos, no caso, um imã. E o detector baiano acusa a presença desses dois campos magnéticos.
O engenho tem uns 30 centímetros de comprimento, por 10 de largura. Portátil, portanto. Leve, de cor preta. Na parte superior, uma placa de metal, onde está localizada a luz vermelha, um botão (sensibility) para sintonia do campo magnético, e a inscrição: “Ufo Detector”. Além da sigla G-PAZ. E do esclarecedor: “Made in Brasil”.
O fato mais curioso (e intrigante) até agora catalogado pelo Grupo de Pesquisas Aeroespaciais aconteceu em dezembro de 1972, um dia 13, às 07:42 da noite, quando o casal Fritz e Margarida Abbehussen estava assistindo a um programa de tevê e o aparelho apresentou um defeito. O velho Fritz, já falecido, mas na época com 65 anos, saiu pra ver o que estava acontecendo. Viu um objeto enorme, luminoso, atravessando o espaço, lentamente. Logo depois, Dona Margarida e uma empregada de nome Waldete, foram observar o tal objeto na parte dos fundos da casa e, segundo afirmam, viram dois homens baixos e magros, que caminhavam na ponta dos pés, flexionando os joelhos exageradamente a cada passo. Elas fugiram apavoradas. Fritz vasculhou a área, com outras pessoas, mas não viram mais nada. Ligaram a tevê outra vez. E tudo voltou ao normal.
A cidade de D` Avila ficou famosa, pelo menos nos limites daquela região. Agora, Dias D`Avila desponta para a glória. Graças à dupla Ederval-Evandro, os pais do detector baiano de objetos não-identificados e mistérios paralelos.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

RELIGIÃO - OGUM - SACRIFÍCIO E SANGUE NA BAHIA




Reportagem e fotos de Reynivaldo Brito
Revista Manchete 9 de agosto de 1980

No Terreiro do Pai-de-Santo Zé de Ogum, 46 anos, situado no município de Lauro de Freitas, arredores de Salvador (Bahia), a festa de seu santo é um acontecimento. O ritual prevê três dias inteiros de comemorações e sacrifícios preparatórios que exigem, entre outras coisas, a imolação de sete galos caboclos (vermelhos) em homenagem a Exu. Todas as carnes e miúdos dessas aves serão aproveitados nos banquetes sagrados. E o culto culmina sempre com o sacrifício de um boi inteiro, cujo sangue é levado num vaso especial para o Ibá – espécie de santuário onde fica o chamado carrego do santo, com potes, bacias e louças próprias. Um ritual que MANCHETE documentou com exclusividade.
O terreiro que sacrifica um boi a Ogum recebe 14 anos de paz garantida
A Preparação para o dia do culto de Oxum exige daqueles que nele participam ativamente uma série de obrigações e penitências. Em certos casos, se requer até mesmo abstinência total – com recolhimento absoluto durante os 14 dias que procedem a cerimônia. Na simbologia dos fiéis de Ogum, o boi significa força, poder e decisão. Seu sacrifício tem assim, como efeito imediato, produzir a paz no terreiro e uma profunda concórdia entre seus frequentadores. Os iniciados explicam que basta um sacrifício para garantir esta paz por um período de 14 anos. Mas, no terreiro de Zé de Ogum, celebra-se a festa todos os anos. Porque os fiéis do Candomblé de Lauro de Freitas gostam da cerimônia.

Apesar das danças de guerra e dos cantos de combate, a festa de Ogum tem sempre por resultado essencial um só: paz

Os fiéis chegam cedo para a cerimônia principal. Os primeiros convidados e alguns curiosos esperam a chegada do Alabê, espécie de chefe de orquestra, acompanhando de dois ajudantes que conduzem os atabaques. Enquanto os pontos vão crescendo, aproxima-se o momento da apresentação do grande sacerdote, Zé de Ogum, que descobriu sua vocação aos 18 anos, e teve a cabeça feita pela mãe-de-santo Paulina, num velho e tradicional terreiro da cidade de Cachoeira, situada no Recôncavo Baiano. Recebeu então a incumbência de zelar, durante toda a vida, pelo culto de Ogum. Nessas ocasiões mais solenes, Zé de Ogum ostenta uma bonita batina amarela e tem no pescoço dezenas de colares de contas e miçangas de todos os tipos. Quando os pontos chegam ao auge, há sempre muitos manifestantes que recebem santos no terreiro e são levados a pessoas especialmente encarregadas de acalmá-las. O sacerdote sangra o boi com um golpe certeiro e o animal cai, enquanto as auxiliares correm para aparar o sangue numa grande tigela de barro. Este sangue, chamado de menga, vai depois para o santuário do terreiro – o Ibá –, onde é colocado sobre as otás, ou pedras sagradas.
Cantos, danças e banquetes fazem parte essencial do culto de Ogum. No calendário do candomblé, terça-feira é normalmente o dia da semana especialmente dedicado a este orixá. Sua cor preferida é o azul-escuro, sua comida é, normalmente, feijoada com inhame assado. Sua saudação é ogunhê e na indumentária entram sempre elementos de couraças e capangas. Porque se trata de um santo guerreiro.
Outro elemento essencial do culto de Ogum é Exu, que muitos leigos confundem erroneamente com o diabo. Os iniciados dos terreiros insistem sobre a necessidade de cair neste erro. Nos candomblés de Ogum existem quase sempre dois exus – o Xoroquê e o Tiriri. Este último é, na realidade, um orixá, e não um escravo, como querem alguns.
Durante a festa, a cozinha do terreiro está sempre cheia de filhas-de-santo sorridentes, que passam três dias e três noites servindo refeições aos convidados: os pratos são em geral feijão, farinha, carne assada ou ensopado. Os miúdos dos sete galos caboclos sacrificados antes do boi são cozidos no azeite-de-dendê e em seguida colocados em alguidares aos pés de Exu. O que resta destes galos é aproveitado para o xinxim, que pede ainda camarão e mais azeite. Este prato é o famoso Ixó de Exu, distribuído a todos os presentes durante o primeiro e o segundo dias da festa. Exu fica assim inteiramente manso, assentado, e Ogum pode então dominar tudo. Começa aí o momento da grande feijoada a Ogum. Quatorze homens, especialmente escolhidos pelo pai-de-santo, e ajudados por alguns filhos-de-santo, preparam o barracão principal. Ao centro do barracão são colocadas três esteiras e três alás (lençóis) brancos, em volta dos quais se dispõem castiçais com velas acesas e jarros com flores. Chegam então os ogãs, alabês, ekedes, kotas, a Mãe-Pequena e outros grandes do candomblé. Há mulheres que trazem tabuleiros com pipocas: são flores para o velho orixá Omulu, amigos de Ogum.
As manifestações de Ogum são as mais variadas: pode parecer muito velho (daí sua amizade com Omulu). Mas pode ser também Ogum-Wari, que aparece empunhando uma espada e dançando como um guerreiro indomável. O essencial no entanto é que, qualquer que seja a manifestação predominante, o resultado final do culto será sempre a paz.

COMPORTAMENTO - SÃO JOÃO - ESPADAS DE FOGO MATAM NA BAHIA


Revista Manchete 9 de agosto de 1980
Texto Reynivaldo Brito
Foto Valdir Argolo

Uma tradição violenta nas festas de São João

Este ano, as festividades de São João na Bahia se caracterizaram pela violência. Balanço final: dez mortos e mais de cem vítimas de queimaduras de diferentes graus. Em Cruz das Almas, a 142 quilômetros da capital, apesar dos protestos, registrou-se mais uma vez a ocorrência bárbara das chamadas guerras de espadas. Estas espadas são tubos de bambus de cerca de 30 centímetros de comprimento por 10 de diâmetro, cheios de uma mistura de pólvora com limalha de ferro. Obstruído numa das extremidades, o tubo – que depois de preparado pesa quase meio quilo – acaba se transformando num verdadeiro obus. Quando os supostos adversários se defrontam, os combatentes acedem às espadas e as lançam contra o bando contrário que procura se defender de qualquer maneira. Caso um dos combatentes corra, o artefato o persegue atraído pelo vácuo produzido pelo deslocamento do corpo. Além dos inúmeros casos de queimaduras, dois rapazes perderam a visão, atingidos por estes obuses selvagens.

O mais curioso neste tipo de brincadeira estúpida, é que a maioria da mocidade de Cruz das Almas defende a realização das guerras de espadas como uma das tradições locais. O próprio delegado de polícia, que também aprecia esta tradição violenta, acha que se deveria reservar um bairro especial para estas batalhas, permitindo às crianças, e ao resto da população, participar de manifestações menos violentas, como danças de quadrilha e cantorias. Este ano, a Prefeita de Cruz das Almas havia construído um arraial para divertimento da população. Em poucos minutos, os grupos de combatentes, com suas espadas possantes, cuspindo fogo por todos os lados, tomaram conta do local e expulsaram os folgazões mais pacíficos.

                                TREZE PRESOS

No dia 24 de junho de 2012 foram presos 13 pessoas que tentaram iniciar a "guerra de espadas" em Cruz das Almas. Foi baixada uma decisão judicial pelo Tribunal de Justiça da Bahia em 2011 proibindo  a "guerra de espadas" e, este ano  a polícia ficou postada em vários locais para evitar o desrespeito à decisão judicial. O  TJ -Ba reconheceu a natureza criminosa da "guerra de espadas", que era comum durante os festejos juninos em algumas cidades baianas, especialmente em Cruz das Almas. Neste período os hospitais da região ficavam lotados de pessoas feridas com queimaduras graves.
Três "espadeiros" já tinham sido presos no dia anterior, acusados de soltar uma "espada" em direção a uma viatura policial. A PM utilizou 65 homens e cinco viaturas para coibir a prática perigosa na cidade.



quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

IMPRENSA - O CONSELHÃO

OPINIÃO

Foi criado o Conselho Estadual de Comunicação pelo governo do Estado com 70 membros!
Este tal conselhão teria surgido por uma determinação constitucional. Olhe, que existe tanta coisa mais importante por exigência constitucional que estão ai pendentes...
Segundo alguns analistas este seria o primeiro passo dado para num futuro, não tão distante, começar a interferir não apenas na distribuição das concessões de estações de rádios e televisão , mas também na propriedade e, no conteúdo da informação. A Bahia é o primeiro estado a criar este tal conselhão.
A criação deste conselhão na Bahia, com um número excessivo de membros, talvez tenha sido concebido propositadamente, porque certamente, ele nunca se reunirá com a maioria de seus 70 membros!
Quem já participou de entidades ou as dirigiu sabe muito bem disto.Portanto, é uma minoria que vai mandar no conselhão, e esta minoria pode ter seu viés político, que não coincidirá com a maioria da sociedade.
Saindo em defesa do conselhão o governador declarou que dele participam vários segmentos da sociedade. Basta dar uma olhada nos nomes dos dirigentes de várias dessas entidades para observarmos que rezam pela mesma cartilha ou foram cooptados através de outros partidos políticos que os apoiam.
Sabemos que os veículos de comunicação em sua grande maioria está em mãos de uma elite política, econômica e religiosa. No Maranhão com os Sarney; no Pará com Jarbas Barbalho; em São Paulo com os Mesquita, Frias e Saad; no Rio Grande do Sul com os Sirotsky; no Rio com os Marinho, e aqui com os Magalhães e Simões ; em Pernambuco com os Paes Mendonça. E, assim vai por esse Brasil afora.
As entidades de classe como os sindicatos dos jornalistas, a Associação Brasileira de Imprensa e a Abert a nível nacional até agora não se manifestaram com veemência contra este conselhão porque o fato aconteceu aqui na Bahia e, não tem portanto, muita repercussão como teria se fosse no eixo Rio-São Paulo.
Com relação as entidades ligadas aos jornalistas baianos certamente vão calar a boca, porque muitos de seus dirigentes não têm a disposição e interesse político em contestar a criação de mais um instrumento baseado no fortalecimento do estado em detrimento da vontade do cidadão.

POLÍTICA - THEODOMIRO NÃO ESPEROU A ANISTIA

REVISTA FATOS E FOTOS / GENTE
30 DE ABRIL DE 1979

A evasão de Thedomiro surpreendeu a políticos, policiais , juízes e advogados. Sua mulher, Maria da Conceição, aguarda uma confirmaçào da fuga. Barbudo, usando óculos assim estava Theodomiro nos últimos dois anos.

Theodomiro Romeiro dos Santos não confiava na Justiça, mesmo tendo sido ultimamente por ela beneficiado – sua pena de morte se transformou em prisão perpétua, depois em 30 anos e com a nova Lei de Segurança Nacional, em 16 anos. Por isso, mesmo desfrutando de excelentes possibilidades de vir a conseguir um julgamento favorável para o seu pedido de liberdade condicional, ele preferiu a fuga. Com todos os seus riscos. Em julgamento anterior, por crimes políticos e a morte do sargento da Aeronáutica Walder Xavier da Silva, viu negado o seu pedido para ganhar a liberdade, tal como havia acontecido com outros presos políticos. E perdeu todas as esperanças. Passou a crer que todos os demais julgamentos estariam revestidos de mesmas circunstâncias políticas que, na sua opinião, contribuiriam para uma sentença desfavorável. Não demonstrava, mas era um homem angustiado. E essa angústia aumentou, quando foi conhecer o segundo filho do seu casamento com Maria da Conceição Gontijo Lacerda. Se poucos eram os contatos com o primeiro, Bruno, a situação se agravaria com o segundo, Fernando. E a fuga passou a ser uma obsessão, mais forte do que os riscos. Ninguém sabe, por enquanto, como aconteceu, como foi tramado. Levantou-se a hipótese dele ter recebido ajuda do exterior. Uma pessoa, porém, recusa-se a crer que Theodomiro tenha fugido: é a sua mulher. “Só acreditarei que o meu marido fugiu, quando puder vê-lo ou, pelo menos, falar com ele. Do contrário, continuarei achando muito estranho essa fuga. Ele estava muito perto da liberdade. Tanto que vinha recebendo frequentes ameaças de morte. Eu não creio muito nessa fuga. Acho que aconteceu algo pior”, finalizou.

RELIGIÃO - OLGA DE ALAKETO UMA IALORIXÁ CONTRA A DROGA








REVISTA MANCHETE








30 de abril de 1979












Na terra da Mãe Menininha de Gantois, ela também é rainha.








A ialorixá Olga de Alaketo é uma das mães-de-santo mais respeitadas do Brasil. Ela reina em seu terreiro no bairro do Luís Anselmo, em Salvador, onde exerce seu poder temporal e espiritual sobre diversas filhas e filhos-de-santo, ogans, ekedes e outros elementos integrantes do candomblé. Olga está com 53 anos de idade e tem dez netos. É uma negra bonita e Iansã é dona de sua cabeça. Dança divinamente e gosta de frequentar em companhia de gente da alta sociedade a vida noturna do Rio de Janeiro e São Paulo. Quando Denner estava no seu esplendor de mestre da alta costura, Olga de Alaketo exibia, frequentemente, sua etiqueta.
Como toda mulher, é vaidosa e gosta de se apresentar bem vestida. Porém, na hora de suas obrigações acontece uma brusca transformação: Olga recebe o seu santo e reina com toda sua autoridade em Alaketo, que em ioruba significa um pedaço do céu. É também apontada como a única ialorixá baiana que viaja pelo país fazendo trabalhos de recuperação de jovens toxicômanos. Já esteve várias vezes na África e participou como convidada especial do Festival Internacional da Nigéria. Embora tenha uma vida de rainha, ela está sempre sensível às necessidades de suas filhas-de-santo. E um exemplo disto aconteceu no último festival da Nigéria. Quando chegou ao aeroporto de Dakar, Olga foi informada que só haviam reservado acomodações para ela. Zangada, preferiu dormir no aeroporto, ao lado de suas filhas-de-santo, até que tudo fosse contornado.
Olga de Alaketo afirma que hoje em dia o candomblé é respeitado por muita gente. “É uma religião respeitada. Mas, por outro lado, muitos estão entrando indevidamente no assunto e alguns até se arvoram em pais e mães-de-santo e não têm nem uma conta lavada. Isto tira o real valor do candomblé, porque confunde as pessoas. Outro problema é a exploração desenfreada que está acontecendo por parte de alguns compositores, que colocam em suas músicas nomes de Orixás e mesmo de mães-de-santo. A esses, eu tenho a dizer que tomem cuidado com os exageros. Uma homenagem ainda se admite, mas daí o indivíduo passar a colocar em suas músicas ou composições parte de coisas do nosso culto é uma afronta e, acima de tudo, uma desonestidade que não podemos admitir. Não gosto desse tipo de coisa. Agora estão usando até trajes de iaôs (iniciadas) durante o carnaval. Para mim carnaval é carnaval e candomblé é candomblé. Não podemos permitir que o candomblé seja diminuído. É preciso que as coisas sejam colocadas em seus devidos lugares”.
Descontraída, Olga de Alaketo diz por que frequenta boates e restaurantes da moda. “Vou em boate, em restaurantes, teatros etc. Vou bem acompanhada e sei me comportar. E ainda tem mais, se tiver que dançar eu danço, e como!
Só não faço beber porque não gosto de bebidas. Sei com quem vou. Às vezes fumo um cigarro. Sei com quem saio e com quem volto. Não frequento esses locais com qualquer pessoa. Aí é que está o segredo: saber escolher as pessoas que você pode acompanhar.
Embora no mundo a gente termine se misturando com quem é bom e com quem é ruim”.
Olga não quis falar das discussões existentes em torno da seriedade ou não de muitos dos terreiros de candomblé espalhados pelo país, especialmente na Bahia. Disse que “sobre isto não posso falar” porque quase não conhece os outros terreiros. Conhece poucos o terreiro do Gantois, “onde já fui algumas vezes, porque minha mãe era contraparente da Menininha de Gantois e quando me chamam eu vou. Mas, não me meto nessas coisas. Acabou. Vou ainda na casa de Irene, que é filha do finado Felisberto Bomboché, que era africano. Conheço a raça dele toda na África. Eu o conheço há muitos anos porque fomos criados aqui, juntos. Agora aos outros não vou, porque não conheço as pessoas. Fico em minha casa onde recebo meus amigos e vou às festas para as quais sou convidada”. A seguir falou de seu candomblé. Mostrou o imenso terreno que pertence a Alaketo e diz que ali só podem reinar pessoas que são ligadas por sangue.
Sobre a violência no mundo Olga diz que “as coisas sempre existiram, mas eram mais reservados. Não era como agora, esses assaltos, essas coisas. Ontem mesmo vi quando cinco homens pegaram um rapaz que mora aqui ao lado para tomar-lhe dinheiro. O que me dói por dentro não é o roubo propriamente, mas a perversidade que estão fazendo com as pessoas. Pegam as pessoas, matam, fazem todo tipo de maldade. Acredito que esses meninos são doentes. São garotos que precisam de conselhos e tratamento. Muitas vezes são recalques que carregam e depois vão despejar em outras pessoas que nada têm a ver com os problemas deles. Os mais velhos dizem que os pais fazem para os filhos pagar. Eu acredito piamente nisto. Me lembro de uma pessoa que viveu muito bacana, mas que aprontou muita miséria para os outros. Essa pessoa morreu e seus filhos têm pago coisas que você duvida. O problema do tóxico mesmo é porque esses meninos vêem os pais deixando as mães, batendo nas mães e isto revolta as crianças que terminam por buscar a droga. Não tem coisa pior que um filho presenciar uma mãe ser espancada por quem quer que seja, principalmente pelo pai. Daí o tóxico ser uma fuga para esquecer esses problemas e muitos terminam viciados. Tenho cuidado de vários jovens e quando conversamos afloram esses problemas ou outros semelhantes. Mas estão pagando pelo que fizeram seus pais”.
– Muitos afirmam que “o candomblé mata e aleija”. D. Olga de Alaketo, o que a senhora acha disso?
– Bom, vou lhe explicar uma coisa. Não há médico que cure que não mate. Nem que seja por erro. É mesmo que o candomblé. Não há quem não cure que não mate. Às vezes, sem querer fazer por mal. Mas a gente está pedindo para o bem e só vem o mal. Quando vejo uma pessoa falando mal do candomblé, eu o deixo falar. O que não está certo é você generalizar. Há candomblés bons e ruins. Outro dia – continua Olga de Alaketo – eu estava assistindo à televisão onde alguns crentes estavam falando. Apareceu uma moça e disse que era de candomblé e havia abandonado o culto porque lá aprendera a tomar tóxico e resolveu generalizar que no candomblé se toma tóxico. Fiquei indignada porque essa moça deveria dizer onde foi que aprendeu a tomar tóxico, inclusive revelando o tal terreiro, já que ele existia, segundo ela. Ora, partir daí para generalizar é um exagero e uma atitude errada, porque os terreiros, em sua grande maioria, são locais de obrigações sérias e que merecem respeito. Eu não conheço nenhum candomblé que faça isso. Eu mesmo nem sei distinguir uma flor de maconha. Nunca vi, não quero ver.

CIDADE DE SALVADOR - OPERÁRIOS LOCALIZAM RUÍNAS DO COLÉGIO DOS JESUÍTAS


REVISTA MANCHETE


30 de abril de 1979
SALVADOR


As ruínas do antigo Colégio dos Jesuítas de Salvador, projetado por Manoel da Nóbrega antes mesmo da fundação da cidade, em 1549, foram localizadas por um grupo de operários que trabalhava na restauração da Catedral Basílica, da Bahia. As ruínas, que incluem uma antiga sala de cerca de 180 metros, formam, com suas grossas paredes e arcadas, um conjunto de grande beleza plástica. Futuramente também vai constituir uma nova atração para o grupo arquitetônico do Pelourinho.
Para os historiadores, as ruínas agora descobertas têm uma importância excepcional devido ao papel desempenhando pelo Colégio dos Jesuítas na formação cultural do país. Segundo o professor Valentin Calderón, diretor do Museu de Arte Sacra, o achado pode ajudar bastante no levantamento da história do Colégio, embora seja difícil pensar na reconstituição do prédio. Calderón disse a MANCHETE que o melhor seria deixar as ruínas como estão para que elas conservem seu valor histórico.
Também foi encontrado um túnel, parcialmente obstruído, com ligações provavelmente para as várias igrejas que se encontram no Largo do Terreiro. Entre elas, a de São Domingos, São Pedro dos Clérigos e São Francisco. Os historiadores também examinam a hipótese do túnel em ruínas constituir uma antiga ligação do Colégio com a Igreja do Carmo, bem mais distante do local.
O Colégio dos Jesuítas, então denominado Real Colégio das Artes, foi ocupado militarmente durante a invasão holandesa e muitas de suas dependências, consideradas verdadeiras obras de arte, desapareceram em vários incêndios. Entre as dependências que escaparam da destruição se encontram as salas de banho, com suas necessárias (sanitários), corredores, arcadas e abóbodas. Conforme os historiadores, o Colégio começou a ser depredado logo depois da expulsão dos jesuítas, decretada pelo Marquês de Pombal, por volta de 1759. Inicialmente passou a abrigar o Hospital Militar e, a partir de 1808, a Escola Médico-Cirúrgica.
O professor Vivaldo Costa Lima, que acaba de ser reconduzido à direção da Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, revelou aos jornalistas que possivelmente aproveitará as ruínas do imóvel para a instalação do Museu Afro-Brasileiro, o Centro Regional de Restauração, com Memorial da Medicina Baiana e os Centros de Estudos ligados à cultura latino-americana. (Reynivaldo Brito/Salvador)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

RELIGIÃO - OS 84 ANOS DE MÃE MENININHA DO GANTOIS





Revista Fatos e Fotos/Gente 20 de março de 1978
Fotos Lázaro Torres
Aos 84 anos, a mais famosa mãe-de-santo afirma: “Quem nasce na Bahia, não há água, sol ou vento que tire a magia”

“SE EU SOUBESSE TUDO NÃO SERIA MÃE MENININHA, EU SERIA DEUS”Menininha do Gantois, a mais famosa mãe-de-santo que a Bahia já deu, acaba de completar 84 anos. Apesar da idade avançada, ela continua a acompanhar de perto tudo o que acontece no seu terreiro. Todos os que convivem com Mãe Menininha a adoram e para eles sua palavra é sinônimo de ordem. Ninguém ousa falar em sucessão. Para ela a mística do candomblé deve ser preservada com seus segredos que pertencem apenas aos iniciados na seita. Venerando Oxalá acima de tudo e depois os outros Orixás, ela se orgulha de só fazer o bem.

Com 84 anos de idade, a mais importante ialorixá do candomblé, Maria Escolástica da Conceição Nazaré, mais conhecida por mãe Menininha ou Menininha do Gantois, reina do Alto do Gantois, em Salvador. Continua lúcida, governando sua roça e em séquito de quase duzentas pessoas entre filhas, netas, parentes e descendentes hierárquicos. Seu terreiro é o mais famoso de todos os existentes na Bahia.
Desde 1900 um rosário de intelectuais participa, de uma forma ou de outra, das festas e da própria vida do terreiro Axé Iyá Nassé. Entre eles Artur Ramos, Edson Carneiro, Donald Pearson, Herskovitz, Roger Bastide, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Caribé, Pierre Verger e muitos outros.


“Bahia não é a África, mas é um pedaço de lá”
Menininha do Gantois é mãe-de-santo consciente de sua grande responsabilidade, acompanhando, de perto, os afazeres domésticos e as “obrigações” de suas filhas-de-santo, de seus ogans e yaôs. Reina, material e espiritualmente, com toda a humildade de uma sacerdotisa, dizendo sempre: “Não sou isto que o povo pensa. Nasci normalmente de um homem e uma mulher.
Porém, quem nasce na Bahia não tem água, sol ou vento que roube a magia. Bahia não é a África, mas é um pedaço de lá. Quero continuar fazendo o bem a todos aqueles que precisam, dentro das minhas limitações. Entendo um pouco da seita e assim procuro ajudar aos outros.”
Devido a sua notoriedade Mãe Menininha paga um preço muito alto. Centenas de turistas sobem mensalmente a ladeira do Alto do Gantois na esperança de receber uma bênção da ialorixá. Mas,com sua idade avançada, suas filhas-de-santo e parentes não permitem o assédio. Esta proteção é necessária porque muitos vão ao terreiro apenas à procura de um divertimento, como uma lembrança de sua viagem à Bahia.
Exatamente por essa razão é que fica cada vez mais difícil conversar com ela.
Uma vez vencidos os obstáculos, ela irradia felicidade. Sentada numa grande cadeira e vestida numa imensa saia, Menininha fala do seu dia-a-dia: “Levanto-me sempre cedo e gosto muito de assistir a programas de televisão.
Acompanho algumas novelas, mas não estou gostando de nenhuma das que estão sendo apresentadas. Todas estão ruins.”
“Tenho isto aqui como uma obrigação de herança. Tudo começou em 18 de fevereiro de 1922, quando fui sagrada mãe-de-santo. Portanto há 56 anos tomo conta dos “santos”. Estou nesta idade e só pratiquei o bem, aqui no Terreiro do Gantois.
Zelando pelos baianos e pela nossa casa. Já trabalhei demais, mas ainda estou forte para levar tudo adiante.” Assim fala Menininha, que nasceu a 10 de fevereiro de 1894, no Largo do Terreiro de Jesus.
Axé Iyá Nassé, mais conhecido como Gantois, foi fundado por Maria Julia da Conceição Nazaré, bisavó de Menininha. Com a morte de sua fundadora, ascendeu à chefia da casa tia segunda, Pulquéria da Conceição Nazaré, que era Iya Kererê (mãe pequena) da casa.
No dia 18 de fevereiro de 1922, chegou a mando da casa Menininha do Gantois. Ela foi iniciada no culto por sua tia Pulquéria e o orixá dono de sua cabeça é Oxum, deusa da beleza, das joias e do rio Oxum, que fica na Nigéria. Ela recebeu o axê (poder de mãe-de-santo) diretamente das mãos de Oxóssi, deus da cabeça, e de Xangô, deus do trovão e do fogo, o terceiro rei lendário de Oyó, capital dos povos Yorubás ou Nagôs.

A homenagem da música popular brasileira
Sua influência é tamanha, que Menininha se transformou em fonte de inspiração da música popular brasileira, especialmente depois da composição de Dorival Caymmi a “Oração a Mãe Menininha”. Também fizeram canções para ela Vinícius de Moraes, Toquinho, e Caetano Velloso. Ao lado disto, muitos cantores e compositores são ligados ao terreiro do Gantois, e de quando em vez, são chamados a fazer obrigações. Entre eles estão Gal Costa e Maria Bethânia.
Internacionalmente famosa pelo muito que tem feito pela preservação do culto africano, a ela cabe à tarefa de guardiã do imenso tesouro de sabedoria e mistérios dos deuses transmitidos por seus ancestrais. Ela tem consciência disso e afirma: “Sempre fiz o bem dentro do culto, procurando a melhor forma de cumprir as obrigações. O que realmente gosto é quando faço um ato bom e recebo em resposta Deus lhe pague. Isto porque Ele rege tudo e nada sem Ele dá certo.”
Depois de falar do culto e de suas influências, Mãe Menininha conta como é sua vida dentro de casa. “O que eu não gosto, moço, é de casa de vizinho. Moro aqui há muitos anos, mas nunca frequentei casa de ninguém. Sei que eles me conhecem, e, ás vezes, quando apareço na janela, eles dizem aquela é a Mãe Menininha do candomblé. Mas é só. Não gosto de saber da vida dos outros. Fico em minha roça fazendo minhas obrigações, cuidando desta moçada. O senhor já pensou na minha responsabilidade? Tenho aqui muitas senhoras casadas, noivas e solteiras. Tenho que dar conta de tudo aos maridos, noivos e pais. Hoje em dia a coisa está muito mudada, e por isso é preciso maior cuidado. O que vale, é que todas são honestas e compreendem tudo direitinho. Mas estou sempre ativa, tomando conta de tudo e querendo saber o que se passa na roça.”
Depois ela desabafa: “A coisa está tão seria que quase não posso mais ir à janela, ou mesmo ao salão (do terreiro), porque é muita gente querendo saber coisas que não posso responder. Querendo saber se o pai vai perder o emprego, se o noivo vai largar e coisas deste tipo. É preciso entender que não posso saber de tudo, porque se soubesse não seria Mãe Menininha e sim Deus. Longe de mim ser Deus, que é o pai de nós todos”.
Mãe Menininha completa o seu raciocínio afirmando que é descendente de africano e que “africano, moço, é mais desconfiado do que índio. Eles quando são amigos, são de verdade. Mas sempre ficam desconfiando. Os senhores não estão aí tirando fotos minhas. Ah! Se fosse de africano ele era capaz de fazer uma careta e os senhores perdiam tempo. Por falar em fotografias, vocês estão tirando muitas. Será que não poderiam arranjar umas para mim”?
Prometemos levar algumas fotos para Mãe Menininha e cumprimos a promessa. Quando recebeu as fotografias gostou e fez comentários sobre a beleza de sua neta Neli e da seriedade de sua filha e Mãe Pequena, d. Cleuza.

“Não existem dois ou mais deuses. Ele é um só”
Revelando ainda um pouco de sua intimidade, Mãe Menininha comentou: “Quando bem tratada, sou muito doce, muito bondosa. Mas não gosto que me desagradem. Gosto muito de respeito, e, por felicidade, as pessoas sempre me respeitam. Talvez porque também tenho muito respeito pelas pessoas e aceito as coisas de cada uma.”
Para Mãe Menininha não existem dois ou mais deuses: “Ele é um só, e o mesmo para todo mundo. Pra mim Oxalá é o maior, e depois vêm os meus santos. A diferença está apenas nos nomes.” Ela não fala na mística, e guarda os segredos do candomblé com muita fé e respeito, e ninguém, ligado ou não ao culto, tem a ousadia de falar em sucessão. Sim, porque a sacerdotisa do candomblé é única a sua palavra uma ordem. Todos à sua volta a adoram. A idade não importa. O que importa é que é a mãe-de-santo, dono de todas as verdades. Ela é adorada e amada e como diz Dorival Caymmi na sua “Oração a Mãe Menininha”, “a estrela mais linda, o sol mais brilhante, o consolo da gente; tá no Gantois...”

CINEMA - GLÁUBER BRIGA COM INTELECTUAIS


5 de Dezembro de 1977
REVISTA: FATOS E FOTOS / GENTE

PARA GLÁUBER ROCHA
BRIGAR COM INTELECTUAIS NÃO É NOVIDADE.
SEU ENCONTRO É COM O POVO
O FATO Com Tarcísio Meira, Walmor Chagas e Mauricio do Vale no elenco, Gláuber Rocha inicia a 8 de dezembro as filmagens de Idade da Terra, abordando aspectos da vida de Cristo. Com esse trabalho, o diretor baiano da à arrancada para o que ele classifica de “a segunda revolução cinematográfica brasileira”. Ao todo, o plano inclui 12 filmes com um investimento de 60 milhões de cruzeiros. Num quarto de hotel, Gláuber, agitado, andando de um lado para outro, fala com exclusividade para FATOS E FOTOS/GENTE na polêmica linha que marcou seu trabalho e pautou as mais recentes declarações à imprensa. Como esta sobre Pelé: “Ele é um garoto-propaganda das multinacionais. Se antes jogava futebol, agora é jogador. Virou bola nas mãos dos mercenários.” A acusação se deve ao fato de Pelé pretender promover o cinema e a música brasileira no exterior, como relações públicas da Warner.
Futebol à parte, Gláuber parte para as análises: política, cultura, cinema e a sua revolução.
Vou lutar para fazer a segunda revolução cinematográfica brasileira juntamente com meus colegas baianos e de outros estados do Norte e Nordeste. Estamos unidos e com o propósito de exigir da Embrafilme o direito que nos cabe para fazer o saneamento necessário no cinema, que está entorpecido pelos enlatados e excesso de importação estrangeira. Sobre esse primeiro trabalho da série, é bom ressalvar que Cristo nasceu na Ásia Menor e sempre foi filmado do ponto de vista de artistas europeus e americanos. Agora vou fazer o Cristo no Terceiro Mundo, o Cristo visto pelos oprimidos. É um filme inspirado em Cristo do Apocalipse e não no Cristo dos quatro Evangelhos. Também abordarei aspectos da vida de São Paulo. Não vou reconstituir Roma ou qualquer outra cidade porque isto não nos interessa. O que desejo é dar à vida de Cristo uma linguagem cinematográfica latino-americana.
Muitos produtores não acreditaram no meu projeto e queriam que fizesse uma pornochanchada ou um policial. Eu já os conheço e só reclamo é que depois de trabalhar tanto ainda tenho dificuldade para arranjar produto para financiar meus filmes. Demorei 14 meses para organizar esta produção de Idade da Terra, o que dá a impressão de que um sujeito que trabalha não merece a menor consideração. Depois de nove longas e quatro curtas-metragens, me sabotam e tentam impedir o meu trabalho. Mas, desde 1960 que os conheço porque muitos deles aprenderam alguma coisa de cinema comigo. Continuo contra os filmes de pornochanchadas e policiais. Os produtores de cinema no Brasil e a maioria dos diretores continuam com a mentalidade de investir pouco dinheiro ludibriando o público e aproveitando-se do decreto que obriga a exibição de filmes nacionais.

“Os artistas confundem pobreza com estilo”
”Se em 1960 houve uma revolução artística no cinema brasileiro, hoje vemos a criação de condições para nossas produções. A Embrafilme foi criada e é uma empresa de economia mista que coproduz oferecendo facilidades industriais. Mas, ainda enfrentamos a decadência da crítica, a desonestidade dos produtores que só falam de cultura para pedir proteção e dinheiro ao governo e mesmo grande parte dos diretores que não se esforça para melhorar a técnica, o estilo, o som e a interpretação dos atores. Isto é um dos aspectos de crise artística que atravessa o Brasil, provocada de um lado pela censura e do outro pelo conformismo intelectual. O cinema brasileiro busca sair de sonho de cineclubistas para se transformar numa indústria florescente. Mas, isto não quer dizer que a quantidade (100 filmes por ano) garanta a qualidade de 10 filmes. Até hoje o cineasta brasileiro vive lutando para construir condições econômicas para fazer cinema.
Somente agora é que vejo a possibilidade de uma dedicação à criação, embora reconheça que nosso parque tecnológico de imagem e som ainda é subdesenvolvido. E ,ainda o mercado de exibição continua dominado pelas companhias estrangeiras. A vantagem é a existência da Embrafilme, que é uma empresa de economia mista, que inevitavelmente será a maior da América Latina, da África, Espanha e Portugal. É uma distribuidora em expansão, que pode exibir o filme brasileiro em nosso território e no exterior.
Com exceção de alguns diretores, como Nélson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro de Andrade, o cinema brasileiro está cheio de diretores ruins e sem qualquer capacidade criativa. Como também são ruins a maioria das peças de nosso teatro, os romances e os discos que têm aparecido ultimamente no Brasil. Temos hoje a garantia econômica e é necessária uma revolução cultural na cabeça dos críticos, diretores e atores para criar condições de ambição para se fazer um grande cinema. Aqui a maioria dos intelectuais é modesta; o que em arte significa mediocridade. Os artistas confundem pobreza de imaginação com estilo realista e optam sempre por soluções individualistas, pessimistas e fatalistas o que demostra a grande falta de esperança no futuro de nossa sociedade. Não basta falar de temas brasileiros para se fazer uma grande arte. A arte se faz com as vísceras, com a loucura dos sonhos, com o delírio da imaginação, com as aventuras da fantasia e com a indisciplina diante das regras preestabelecidas.”

“Geisel mudou minhas perspectivas”
“Brecht já dizia: Pobre do povo que precisa de heróis. Quando o povo está fraco é que precisa de heróis e o artista se transforma num mito, porque é diferente. Enquanto o público protege o artista, a maioria dos críticos procura destruí-lo querendo negar o valor do seu trabalho com argumentos que não têm nada a ver com o trabalho propriamente dito. Exigem dos artistas posições políticas que defendam suas obras e de interesses deles (críticos) que tanto podem ser comunistas ou fascistas. Daí vários artistas estarem a serviço de partidos políticos. O que acontece? Fazem uma arte medíocre, mas são elogiados pelos interessados. Os artistas em si são políticos, mas independentes de tutelas. No Brasil de hoje, eu ganhei vários inimigos porque reconheci no Presidente Ernesto Geisel um líder revolucionário que mudou significativamente minha perspectiva sobre o Brasil e o mundo. Assim, desde março de 1974, quando apoiei o nosso presidente, numa declaração de repercussão internacional, venho sofrendo calúnias, perseguições e até ameaças. O que demostra que a repressão à liberdade de pensamento não é apenas um fato oficial, mas uma tradição da fina flor da intelectualidade nacional. Ninguém se preocupa em observar que o General Geisel está mudando o Brasil, nos retirando do impasse ditatorial rumo a uma democracia econômico-social e cultural. Preferem dizer que estou louco que recebo dinheiro dos ministérios para fazer propaganda do governo. Admitir que sou honesto, que tenho razão na minha visão política, obrigaria esses intelectuais a revisar seus pontos de vista. Mas, os intelectuais brasileiros ficam com medo de fazer autocrítica e de reconhecer a dialética da História, que é contrária a qualquer sistematização filosófica. Assim, eles defendem o modelo norte-americano como ideal para nossa sociedade, desconhecendo que a revolução de 1964 já superou o conceito de democracia liberal capitalista e ao mesmo tempo em que recusa o modelo social imperialista soviética e o modelo patriarcalista chinês ou a social-democracia europeia.”

“Me recusam pelas posições que assumi”
“A revolução brasileira busca um modelo neodemocrático cujos objetivos, como tem salientado o Presidente Geisel, é o homem pobre que não recebe nem as migalhas do grande bolo. Já é tempo de as pessoas conscientes deste país assumirem a responsabilidade de ver em Geisel o redentor de um país que estava se afogando no charco da fome, da miséria e do desrespeito aos direitos humanos. E, depois do que o presidente já fez e está fazendo, a oposição deveria abrir mão de suas campanhas casuísticas e apoiar o General Geisel para que ele possa executar profunda e definitivamente as reformas econômicas que poderão gerar uma nova legislação política, um novo relacionamento social, uma nova transação psicológica, uma nova criatividade artística e científica.”
“Já briguei conscientemente com uns duzentos intelectuais decadentes entre Rio de Janeiro, São Paulo, Paris, Nova Iorque e Brasília. Porém, estou feliz porque estou me encontrando com 110 milhões de brasileiros. Sei que muitos dos meus detratores já sabem que estou certo, mas eu não preciso de juízes porque o meu juiz é a minha consciência.
Para os que afirmam que sou protegido do governo, digo que meu filme Cabeças Cortadas, um longa-metragem que rodei em 1970 na Espanha, está proibido no Brasil desde 1973. E a Censura não manifestou nenhum interesse em reconsiderar esta posição. Vários jornais e revistas têm recusado artigos de minha autoria, não com receio da Censura, mas porque faço elogios ao Presidente Geisel. Duas importantes editoras nacionais se recusaram a publicar um romance que escrevi sobre a vida do Ex-presidente João Goulart. Além disso, sofro restrições econômicas e discriminatórias. Uma delas, que faço questão de citar, é o caso do organizador da Jornada Nacional de Curta-Metragem, que todos os anos acontece na Bahia e que tem como coordenador o Sr. Guido Araújo. Ele proibiu a exibição de meu curta Di Cavalcanti, que foi premiado, sob a alegação que era um filme oficial. É um burocrata que não conhece nada de cinema e que não tem condições para proibir a exibição de um filme de minha autoria”.

“O cinema está regredindo no Rio e São Paulo”
“A constituição do pólo baiano é o resultado de uma regressão intelectual e econômica que sofreu o cinema da Bahia desde que eu e Roberto Pires saímos daqui em 1963. O pique industrial do cinema baiano, que produziu Tocaia no Asfalto, A Grande Feira, de Roberto Pires, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, foi substituído por uma mentalidade mesquinha e às vezes policialesca de um grupo de burocratas que nada entende de cinema. Daí o pólo ser constituído apenas de Cr$ 1,5 milhão que devem ser aplicados anualmente em produções de curtas e longas-metragens. Qualquer curta no Brasil custa no mínimo Cr$ 300 mil cruzeiros e em longa uns Cr$ 3 milhões. O pólo, além de nascer com um atraso de 13 anos, é um anacronismo típico de província, onde se confunde indústria cinematográfica com concurso de declamação. A Embrafilme, que colabora neste projeto investindo apenas Cr$ 500 mil cruzeiros, cometeu uma inexplicável ingenuidade acreditando que esta irrisória quantia servisse para estimular. A Embrafilme este ano está investindo Cr$ 50 milhões em televisão. Esse capital é consumido em grande parte por produtores do eixo Rio-São Paulo, sobretudo por produtores do Rio de Janeiro. Assim, os problemas brasileiros são filmados através de uma ótica desses estados beneficiados. Ora, a Bahia possui grandes cineastas como Roberto Pires, Orlando Sena, Olney São Paulo e Rex Schindler, que além de grandes são pioneiros e criadores do cinema Novo baiano que antecede o Cinema Novo carioca. Se formos levar em conta o problema da capacidade, veremos que a Bahia tem direito a pelo menos 30% da verba da Embrafilme para produção. E, certamente com a garantia de que os filmes baianos seriam melhores do que o cinema que se faz hoje no Rio-São Paulo, que está regredindo aos tempos da chanchada e do dramalhão. É preciso sanear a área que está entorpecida pela falta de criatividade, entre outras coisas.”
A REBELIÃO E OS MITOS
“O argumento/roteiro de A Idade da Pedra (Gláuber oscila entre esse título e A Idade da Terra) é tão sumário quanto às peças anteriores destinadas a Barravento (1961), Deus e o Diabo na Terra do Sol (64), Terra em Transe (67) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (69). Não fazemos referência aos outros cinco longas-metragens glauberianos realizados no exterior porque a seus roteiros não tivemos acesso: O Leão de Sete Cabeças (1970), Cabeças Cortadas (71), Histórias do Brasil (71-76) e O Câncer (68-76).
Com efeito, Gláuber não trabalha com argumentistas e roteiristas: essa é uma função que ele mesmo exerce, e com vigor. Além disso, junta as duas coisas numa só: o argumento já é o roteiro, ou seja, ao descrever a história (a trama) já põe as indicações técnicas – sequência l, interior dia etc. – necessárias à execução da filmagem. Contudo, o mais singular é que esse argumento/ roteiro, supostamente longo por conter duas peças, representa um quarto de qualquer outro trabalho semelhante.
Isso porque Gláuber apenas visualiza a cena: ele não a descreve em pormenores. Por exemplo: se precisa rodar uma sequência de massas só quando chegas á locação (lugar de filmagem) vai dispor os extras em posição de luta (caso se trate de um conflito), estabelecer o ângulo (enquadramento) da câmera, verificar a luminosidade solar etc. Quer dizer, ele tira partido das circunstância, não vai para lá com uma idéia preconcebida. Claro: os elementos básicos estão mais ou menos previstos – que atores funcionarão naquela cena, seus diálogos etc. – mas Gláuber sabe que sempre se pode obter mais do que está simplesmente dito no papel.
A Idade da Pedra é exatamente isso. Violando um pouco o sigilo solicitado, é legitimo oferecer uma ligeira idéia da história aos leitores, considerando o grande interesse suscitado por todo filme glauberiano. O argumento/roteiro contém apenas trinta e poucas laudas.
Nele se narra a vida, paixão e morte do homem na Terra – a saber, desde a era das cavernas, passando pela pedra lascada, o feudo, a Idade Media, as guerras napoleônicas, até hoje –, para se deter mais precisamente na América Latina e sua dramática insurrecional.
A História do Homem seria um título mais justo se não fosse presumido. E, depois, a intenção de Gláuber não é fazer documentário, mas uma obra ficcional, criativa, repleta de lances reveladores e capaz de despertar o espectador para o seu destino na Terra.
Shakespeare contribui com seu universo único e seus personagens marcados pela excepcionalidade. Gláuber não nega essa aproximação, embora adaptada ao sentimento latino-americano.
O observador atento poderá notar, ao ver o filme, um monólogo mais fatalista (á Hamlet), a utilização dos mitos gregos, a organização do caos sempre presente nas fitas glauberianas. O talento, a aparente insensatez, os planos feéricos, o relâmpago do gênio, o take supostamente medíocre – tudo isso é possível em Gláuber, uma voz do Terceiro Mundo.”
Alberto Silva
Crítico de cinema







domingo, 15 de janeiro de 2012

CIDADE DE SALVADOR - MENOR E MAIS CARO METRÔ DO MUNDO

OPINIÃO


A falência de gestão da Prefeitura de Salvador e do Governo do Estado já é conhecida de todos.Dois gestores que deram as mãos e vivem agora brigando para saber qual é o mais incompetente.
Vejamos o caso do metrô. O Lula, que não tem qualquer escrúpulo, veio aqui antes de deixar a presidência da República e inaugurou o metrô. Colocaram alguns trens na linha e a solenidade foi realizada. Quanto tempo tem esta farsa? Mais de um ano e, até hoje o metrô , que não pode nem ser chamado de metrô, porque na verdade é um arrremedo, não foi pra lugar nenhum.
Dizem que é o menor do mundo com apenas 6,5 km de extensão e custou em torno deR$700 milhões. Portanto, além de ser o menor é certamente o mais caro do planeta!
Saindo do metrô vamos para a orla marítima de Salvador. É com certeza a mais desarrumada do país. Da Barra até Itapuã vemos centenas de velhos imóveis, verdadeiros monstrengos enfeiando as belas praias que os cercam. Sem falar na situação lastimável do Aeroclube, cujo projeto adormece nas empoeiradas repartições municipais à espera de exame e aprovação. Enquanto isto, a cidade é que perde oferecendo uma visão caótica aos turistas que nos visitam. E, nós que residimos aqui sofremos no dia-a-dia com este descaso.
Estamos nos aproximando da Copa do Mundo e só podemos contar com a Fonte Nova, graças a presença da iniciativa privada.
O carioca está preocupado com a Portela, onde será homenageado.Enquanto o prefeito, segundo li numa coluna social, curte na Europa uma segunda lua de mel.
Triste Bahia... Quem mandou votar neles!