Objetivo


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

TURISMO - A CAPITAL DAS LAVRAS VIVE DO PASSADO


Texto e fotos de Reynivaldo Brito
Abandonaram Lençóis, a antiga capital das Lavras. Os casarões estão caindo e as ruas estreitas não apresentam movimento dos tempos onde o garimpo era uma atividade lucrativa. Os casarões vazios e sujos refletem apenas a lembrança e a tristeza da ausência dos saraus onde os grandes compositores e escritores europeus eram cantados e festejados. Lençóis está agonizando, principalmente depois que uma tromba d´água desabou em dezembro do ano passado, atingindo vários pontos da cidade. Parece que o destino veio apressar esta morte. Suas pracinhas estão esburacadas, a velha ponte de arcos romanos sobre o rio Lençóis também perdeu sua bela balaustrada e até o mercado está sendo desvirtuado com a presença de barracas de toda espécie.
O ”Salão” de onde os visitantes retiravam areia de todas as cores, está semidestruído e as inúmeras pequenas cachoeiras que descem das montanhas que lhes cercam é que teimam em dar-lhe toda a grandeza dos tempos de fausto. A cidade está localizada num vale rodeado de grandes rochas de granito, no zona centro-oeste da Bahia. Surgiu em 1845 quando ali chegaram os primeiros garimpeiros atraídos pela abundância de diamantes e carbonatos nos leitos dos rios Lençóis e São José. Vieram os coronéis com seus jagunços a desafiar os poderes constituídos. Conviveram por muitos anos naqueles chapadões imensos, onde só podemos hoje admirar as torrentes de águas brancas e inabitadas.

                                                                           BELEZA

A paisagem que lhe rodeia é bela e fascinante. A cidade calma, semelhante àquelas do oeste americano, fadada ao desaparecimento devido à escassez de diamantes e a consequente fuga de seus filhos e aventureiros.
Somente as estórias contadas à sombra dos casarões parecem sobreviver. Com dois filhos que ocuparam as cadeiras da Academia Brasileira de Letras – Urbano Duarte, fundador da cadeira número 12, e Afrânio Peixoto, que sucedeu a Euclides da Cunha na cadeira n.7, e as fanfarras e valentia do coronel Horácio de Matos, chamado de grande líder sertanejo, a cidade parece guardar pouca coisa de sua história. Parece que esqueceram da importância da cidade e o seu tombamento vem funcionando como uma injeção paralisante. Nem o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN – e nem mesmo os particulares proprietários dos imóveis vêm realizando uma obra digna de destaque. É como estivesse um à espera do outro, num encontro que jamais acontecerá.

                                                                PRIVILÉGIO

Localizado na Chapada Diamantina, o município de Lençóis é um dos mais privilegiados com recantos belíssimos e próprios para exploração turística. O visitante sente a amplidão de sua passagem ora calma, ora regressiva, com grandes elevações e rochas que surgem ao longe. As serras das Almas, do Itubira, da Furna, de Santo Antônio e muitas outras com seus picos eriçados sempre envoltos pela bruma. O Morro do Pai Inácio, que é um castelo de granito, quase intransponível e sobre a qual existem várias lendas. Uma dessas lendas diz que viveu há cerca de 100 anos um homem conhecido por “corvo humano” que disputava com os urubus as reses que morriam nas pastagens por picadas de cobras ou moléstias. Vivera ali muitos e muitos anos e viera de Minas Gerais. Aos 90 anos tinha feições de um homem de quarenta. Outros contam que o morro é chamado de Pai Inácio porque ali se escondera um perigoso jagunço perseguido pela polícia baiana. Um dia ele foi surpreendido pelos soldados e para não ser preso abriu um guarda-chuva que trazia consigo e pulou morro abaixo numa altura de cerca de 500 metros. Essas são as principais lendas que envolvem em mistérios aquele bloco colossal de quartzo que encanta qualquer viajante.
Logo abaixo encontrei o Rio Mucugezinho que desce das serras em corredeiras, formando, de quando em vez, pequenos poços onde os habitantes da região acorrem aos domingos e feriados para os saudáveis banhos de rio. As águas do Mucugezinho são escuras, porém limpas, e devido à correnteza não encontramos quase organismos vivos que venham a prejudicar a saúde do homem. As águas correntes chegam a formar espumas, quando vão de encontro aos rochedos e são muito frias.
Já ao sul da cidade de Lençóis subindo a serra, encontramos grandes formações rochosas e várias grutas onde os moradores procuram areias e orquídeas. São locais indescritíveis e muitos vivem de explorar essas grutas retirando areias de cores variadas que são usadas para fazer desenhos em garrafas. Um desses artesões é Manoel Reis dos Santos, conhecido por Nequinho, que prefere encher garrafa do que ser professor primário. Embora diplomado, nunca exerceu o magistério porque com a sua atividade consegue mais dinheiro que se estivesse ensinando. Há 16 anos trabalha com as areias coloridas e muitos turistas possuem em suas casas garrafas com as inscrições “Lembrança de Lençóis”. Ele está dando certa originalidade nos seus trabalhos porque consegue fazer desenhos enaltecendo a flora e fauna locais.

                                                          HOSPEDAGEM

É um pouco difícil a hospedagem em Lençóis, atualmente. Só existe o “Hotel de Dona Juliana”, á beira do Rio Lençóis, bem junto à centenária ponte de arcos romanos, que liga a Praça dos Nagôs ao Bairro de São Felix, construída por volta de 1860. Mas dos seus quartos de piso e forro de madeira sente-se o barulho das águas batendo contra os rochedos. Isto cria uma ambiência agradável especialmente para àqueles que nunca moraram numa cidade ribeirinha ou mesmo que estejam acostumados com o barulho intrigante de buzinas e motores de carros. Mas, está sendo restaurado um grande casarão colonial que será a Pousada de Lençóis. Nos fundos, existem as ruinas de um antigo centro de lapidação de diamantes. O curioso é que todo sistema funcionava através de uma roda d´água que dava energia necessária para o trabalho de lapidação. Hoje está abandonada e certamente será também restaurada para servir de mais uma atração turística da cidade. Não se pode também esquecer a flora riquíssima com as serras completamente tomadas por flores de todas as cores. Do mês de setembro em diante as serras ficam apinhadas de orquídeas lilás e brancas, dando um colorido ainda mais bonito. A fauna também é rica, porque ainda podemos encontrar trechos de floresta densa, onde estão escondidas muitas espécies.

                                                           DECADÊNCIA

O triste é observar que mesmo com tanta beleza natural o homem está deixando que a cidade morra. A civilização do diamante foi deixando para os pobres a conservação daqueles casarões que em época não muito distante foram palcos de importantes decisões para todo o sertão baiano. Muitos ali estiveram em busca de riquezas e ali gastaram muito dinheiro no consumo de bens supérfluos vindos de todos os países da Europa. Formaram-se aglomerados humanos porque a riqueza era fácil. Da noite para o dia um garimpeiro ficava milionário graças a um diamante ou carbonato valioso. Foram embora quando a lavra escasseou e com eles suas cantigas que se ouviam de longe misturadas com o barulho do cascalho removido pelas peneiras. Hoje, os que ficaram vivem de pequenos serviços ou estão recebendo uma mísera aposentadoria do Funrural. É gostoso conversar com os velhos garimpeiros, que a exemplo dos velhos pescadores sempre têm estórias fantásticas para contar.
Portanto, do garimpo restam as lembranças e a teimosia de uns poucos que ainda se atrevem a subir as serras para remover o cascalho em busca de um grão pequenino de diamante. Levam às vezes meses sem encontrar nada, e quando conseguem mal dá para cobrir as despesas que lhes garantam uma sofrida sobrevivência.
A cidade é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, desde 1973, graças a um movimento realizado por um grupo de jovens, filhos de Lençóis, quando da realização em Salvador do II Encontro dos Govenadores sobre Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Natural do Brasil. Lá existem três oficinas de lapidação de diamantes e até hoje encontra-se em razoável estado de conservação a chamada Casa de Lapidação, que já existia desde 1885, onde a maquinaria primitiva era movida por uma roda d’água e por onde passaram muitos lapidadores estrangeiros de renome. Muitas outras unidades compõem o conjunto arquitetônico como o antigo prédio da Sociedade União dos Mineiros, que está sendo restaurado pela prefeitura local. Existem duas igrejas: Nossa Senhora dos Passos, que tem a planta em forma de retângulo e o prebistério separado da nave por arco cruzeiro, sendo a capela-mor da mesma largura que a nave. Ela não tem torre sineira e os sinos ficam localizados na empena do lado do Evangelho. Tem uma arquitetura interessante e o visitante desavisado pensa que o arco cruzeiro é um arranjo provisório, quando na realidade foi assim construído. Esta igreja tem muitas imagens centenárias e está localizada num alto que permite uma visão perfeita de grande parte da cidade. A igreja de Nossa Senhora do Rosário, atual matriz, está parcialmente desfigurada, porque antes do tombamento, exatamente na década de 50, dois padres holandeses chegaram a Lençóis e fizeram “uma reforma” inclusive colocando por cima do piso original outro de qualidade duvidosa. Esta igreja precisa ser restaurada para reencontrar a beleza perdida.
A casa Paroquial, que é um dos casarões remanescentes edificados no Tomba-Surrão, debruçados sobre o rio Lençóis e muitas casas onde as paredes dos muros e mesmo as internas são edificadas com pedras à vista. Conta ainda com um importante prédio de formato curioso e alto onde foi instalado o primeiro consulado francês do país. As ruas e ruelas com piso feito de pedras “cabeça de negro”.
São três mil e poucos moradores que vêm sofrendo a decadência de uma cidade, mas continuam esperançosos que o garimpo seja mecanizado, que o turismo chegue para conhecer suas belezas naturais e também que os órgãos responsáveis pela conservação dos monumentos históricos assumam a responsabilidade que lhes cabe. Uma esperança que está prestes a se transformar em realidade já que o turismo vem crescendo em nosso Estado e a pousada que ora estão instalando, poderá ser o primeiro instrumento que possibilite a sobrevivência de Lençóis.
Sem dúvida, vale a pena conhecer Lençóis para você conviver com os casarões coloniais, com os garimpeiros, sentir sua vegetação rica e ouvir o barulho de suas águas descendo das serras.

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