Objetivo


terça-feira, 7 de setembro de 2010

ARTES VISUAIS - LEONEL MATTOS E AS TRILHAS

ARTES VISUAIS
Texto de Reynivaldo Brito


Quando converso ou telefono para Leonel, para saber de suas realizações e indignações mais recentes, sinto que fica agitado e começa a falar sem parar, enfocando uma série de assuntos e ligando um a outro . É uma explosão de vida. Sua energia me deixa curioso em saber onde ele consegue abastecer suas baterias.
Criador incansável ele vê adiante do tempo, como acontece com muitos artistas de talento. Uma convivência demorada com ele exige paciência. Isto é comum nas pessoas muito ativas, porque o time delas é diferenciado. Atropelam as coisas com naturalidade.
Leonel parece com o galo que pinta em várias situações. Altaneiro, ligeiro, bondoso, solidário e também provocador. Colorido e vibrante, é visto de longe por todos que têm a oportunidade de admirar sua plumagem multicolorida. O seu canto é dobrado e sua visão universal.
Quando vou a uma exposição de Leonel saio gratificado porque sabe mexer com os sentimentos e a sensibilidade dos seus muitos admiradores. Lembro especialmente dos labirintos criados no Museu do Unhão com a Caixa Preta, onde expôs vários e vários cartazes com pinturas e textos rápidos. Levei duas horas percorrendo aqueles labirintos e lendo muitas das coisas que escreveu naqueles imensos papéis para que pudesse entender toda sua história de vida recente. Acompanhei, com seu irmão João, um bom período de sua trajetória, especialmente nos momentos difíceis, muitos dos quais estavam ali representados ou lembrados em seus textos. Quando esteve afastado do nosso convívio escrevia cartas e mais cartas. Tenho algumas delas guardadas. São cartas feitas em pedaços de papel, rasgados, recortados. Textos sem obedecer lógica ,estética, gramática ou qualquer coisa. Como um ribeirão em dia de enchente ,que vai levando tudo no seu caminho, assim ele colocava para fora o que estava sentindo. Uma revolta incontrolável. Lembro que depois de algum tempo alguém me procurou dizendo que Leonel queria as cartas. Evidente, que não as devolvi ou mesmo emprestei, porque não mais lhes pertenciam. Elas foram escritas num tempo, numa circunstância horrível que não valeria a pena ficar remoendo.
Estava ainda escrevendo este texto quando recebi um e-mail de Leonel. Mais uma vez estava indignado com as pichações e mesmo com os grafites de gosto duvidoso, muitos feitos em locais impróprios. Inconformado, lembrou de várias ações recentes tidas como culturais que atentaram contra artistas e suas obras. Este é o cidadão que conheço e que não se cansa de protestar, quando se deve protestar. E, ele leva o seu protesto para várias pessoas através de e-mails, telefonemas e conversas reservadas
Num episódio recente, seu filho viajou para Madrid com o objetivo de passar uma boa temporada com a mãe, que reside por lá. Chegando ao aeroporto, em Madrid, o menino foi detido juntamente com vários outros brasileiros. O Brasil que já recebeu tanto espanhol quebrado, durante a II Guerra Mundial, agora em retribuição se negam a receber brasileiros. Leonel fez uma confusão tão grande que um diplomata ficou preocupado e decidiu ajudar na solução do impasse. Leonel denunciou nos jornais, televisões, entrou em contato com autoridades, até que o menino pode desembarcar em paz. Este menino é meu afilhado, de coração , embora sempre houve desencontro para marcarmos uma data precisa para o batizado. Hoje, talvez, o menino já rapaz, nem queira ser batizado. Leonel portanto, é o compadre que não tive, porque o padre ainda não benzeu o menino. Faço votos que ele se dê bem por lá, estude e seja feliz junto da mãe.
Alguns meses atrás encontrei o Leonel e começamos a conversar. “Sabe compadre, agora estou fazendo trilha. É um grupo massa. Os caras têm uma solidariedade e alegria contagiantes. A gente viaja para a Chapada Diamantina, aos arredores da Grande Salvador e em vários municípios em busca de aventura. É uma festa! Tenho enfrentado obstáculos inacreditáveis. O Jeep fica parecendo que vai virar, atola nos riachos e na areia e todo mundo vem ajudar. Você podia comprar um Jeep, ou mesmo ir com esta camionete que é 4x4. Garanto que vai ficar viciado nas trilhas. Leve também Darcy”. Quem? Indaguei. Darcy? Imagine Darcy tomando tombo nessas trilhas sem asfalto. No asfalto com ar condicionado ela ainda se queixa da viagem, quanto mais nas trilhas. Nem pensar. Mesmo porque estas aventuras são coisas pra jovem ou coroas descolados.
Inconformado, Leonel discorreu sobre as delícias, a comida, a cervejada e a alegria de estar em lugares desconhecidos. Fiquei animado com a conversa, mas, não me via enfrentando uma trilha sem asfalto com Darcy ao meu lado. Certamente, que eu iria gostar das trilhas, porém, recusei o convite por razões óbvias.
Passados alguns meses voltei a encontrar com Leonel. - E ai, e as trilhas? “ Compadre, quase não mais andei nas trilhas. A mulher começou a não gostar , a se queixar dos tombos , de maneira que tem algum tempo que está em compasso de espera”
Lembrei de uma observação que fiz, conversando com amigos, que os homens gostam muito de encontrar com homens e ficar horas e horas batendo papo em botecos, jogos de futebol e outros locais ditos masculinos. Somos capazes de ficar horas e horas jogando conversa fora, falando de trabalho, mulheres, futebol, trilhas, casos engraçados envolvendo os interlocutores, gozações. Enfim, saem mil assuntos que vão se estendendo, consumindo tardes e noites sem a preocupação de ir embora. Quando alguém lembra que está ficando tarde o protesto é geral.
Mas, invariavelmente, quando a gente chega em casa tarde, encontra a companheira com cara zangada, pensa logo que tinha outra mulher no pedaço. Nada disto, era conversa besta de marmanjos que curtem se encontrar e conversar sobre mil coisas, às vezes sem qualquer conteúdo.

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