Objetivo


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CINEMA - MEU ENCONTRO COM PASSOLINI E MARIA CALLAS


Texto de Reynivaldo Brito
Foto João Alves






Cheguei a redação do jornal A Tarde às 8 horas da manhã do dia 23 de março de 1970, conforme havia acertado com o jornalista Fernando Rocha, então Secretário daquele vespertino. Era a primeira vez que entrava numa redação de jornal com a intenção de conseguir uma vaga como repórter geral. Esperava ansioso a chegada do redator chefe, dr.Jorge Calmon, ao qual seria apresentado, quando, inesperadamente, entra um senhor gordo, usando grossos óculos de lentes fortes e de aspecto nervoso. Ele estava apressado e anunciava aos quatro ventos que o famoso diretor de cinema italiano Píer Paolo Passolini acabara de chegar a Salvador em companhia da não menos famosa diva do bel canto Maria Callas, com quem estava morando. Imediatamente algumas pessoas presentes na redação passaram a providenciar a ida de uma equipe de reportagem para entrevista-los.
Certamente eu não estava incluído para integrar a equipe, porque não era funcionário do jornal e muito menos sabiam das minhas credenciais. Tinha acabado de chegar, quase não conhecia ninguém dali e ainda iria ser apresentado ao futuro possível chefe para um teste.
Conversa vai, conversa vem e, eis que o Secretário de Redação, dr. Cruz Rios, segunda pessoa na hierarquia do jornal, entrou em cena e determinou que eu fosse juntamente com o folclórico fotógrafo João Alves, conhecido por Bereta, que era especialista em fotografar marginais e cadáveres para as páginas policiais. Fiquei paralisado com a decisão e assim fui mandado às pressas com destino ao Hotel da Bahia, que naquela época era o mais chic da cidade.
Não tive condições de sair daquele embaraço e decidi rumar para o Hotel da Bahia, sem falar qualquer palavra de italiano ou inglês. Quando estudante tinha uma certa facilidade em entender o francês e naquela aflição me veio a cabeça a idéia de tentar me comunicar com o famoso casal em francês ou portunhol. Por sorte, ao entrar no salão olhei e vi o Passolini no balcão de informações. Imediatamente me dirigi a ele, que estava bem mais nervoso do que eu porque notara que acabara de ser descoberto ali. Mas, a fotografia já tinha sido feita pelo diligente Bereta, e consegui entender algumas respostas das perguntas que fiz rapidamente como se dispara uma metralhadora no campo de batalha.

Passolini vinha do Rio de Janeiro , fugindo do assedio da imprensa.Tentei estender o diálogo porém, o cineasta deixou o balcão e rumou apressado para tomar o elevador.Por coincidência o elevador acabara de abrir a porta. Entramos todos. Passolini, eu e o fotógrafo Bereta. Ao chegar no terceiro andar o cineasta desceu e saiu quase correndo em direção ao seu apartamento ameaçando que ia chamar a polícia.
Naquela época não havia Google e o tal senhor nervoso de óculos com lentes grossas, tinha uma coluna diária no jornal de cinema, onde pouco fazia crítica e escrevia muito mais sobre suas peripécias pessoais. Ele ficou encarregado de fazer uma pesquisa sobre o cineasta e Maria Callas no arquivo do jornal, onde eram guardados fotos e recortes. Porém, o resultado desta pesquisa foi frustrante, porque pouca coisa foi escrita sobre sua brilhante e marcante carreira, fixando em sua condição de homossexual. Aliás, depois de alguns anos descobri que esta era uma obsessão daquele jornalista. E, era importante esta pesquisa porque seria o suporte da entrevista apressada que tinha feito.
Voltei ao balcão e tentei pelo telefone falar com Passolini, mas, quem atendeu foi Maria Callas, que se disse muito cansada e, não se dispôs a entender o meu portunhol. De posse das fotos rumamos para o jornal,que era vespertino e, estava esperando esta matéria para fechar a sua edição. Foi um furo nacional. Entrei com o pé direito, embora só fosse contratado três meses depois. Era aliás, um costume da época.
Foi assim que um repórter iniciante, não contratado ainda pelo jornal, deu a manchete principal do dia “Passolini não foi para Roma, está na Bahia”. Um furo nacional, já que os principais jornais do Rio e São Paulo, além das agências de notícias davam em destaque que eles tinham partido para Roma.
Porém, minha perseguição ao casal não terminara. Ao chegar ao jornal e escrever o pequeno texto fui mandado de volta para dar plantão e acompanhar o cineasta e sua mulher Maria Callas.
Eles decidiram dar um passeio para conhecer a cidade de carro. Seguimos pelo Pelourinho, igreja do Bonfim e orla marítima. Por várias vezes nos ameaçaram chamar a polícia . De repente o carro deles deu uma freada e Passolini de dedo em riste fez novas ameaças de chamar a polícia.
Depois de algumas horas seguindo-os voltamos para a redação e ninguém mais soube de sua permanência e partida de Salvador.
Anos depois leio nos jornais que o cineasta foi morto por um garoto de programa que o matou e ainda passou o seu carro esporte várias vezes em cima do seu frágil corpo. Talvez Passolini tenha pensado em chamar a polícia naquele momento da agressão, mas, também desta vez a polícia não ouviu os seus gritos de aflição.
O importante é que sua obra continuará viva e intrigante para nós , futuras gerações e para todos que amam o cinema.

2 comentários:

Unknown disse...

OLA AMIGO,QUE COISA EM ESSE SEU ENCONTRO COM PASCOALINE. E A VIDA SURPREENDE MUINTAS VEZES AS PESSOAS. QUERO QUE SAIBA QUE SEMPRE ADMIREI O SEU TRABALHO DE JORNALISTA, SERIO E MINUSIOSO,ANTES EU ERA CASADA COM WASHINGTON SALES, E VIVIA NO MEIO ARTISTICO E CULTURAL, DAS ARTES CONHECIA MUINTA GENTE, E VENDIA TAMBEM MUINTA ARTE PARA, PESSOAS DA SOCIEDADE. DEPOIS DE MUINTOS ANOS ME AFASTEI E MUDEI PARA S.PAULO DEPOIS PARA O RIO E VARIOAS CAPITAIS E SEMPRE PINTANDO SEM DIVULGAR A MINHA ARTE, EU PINTO MUINTO E 5 ANOS NA EUROPA ESPANHA E NORUEGA FAZENDO ARTE, CASEI COM UM ESCRITOS NORUEGUES E VIVO EM UMA ILHA DA NORUEGA NAS MONTANHAS GELADAS, MAIS LINDAS. E AQUI EU SOU MUINTO RESPEITADA, TENHO TRABALHOS EM VARIOS PAIZES DA EUROPA E ESTADOS UNIDOS.QUERO TE DESEJAR TODO SUCESSO, E PARABENS. ABRACOS E OBRIGADA, BETH SALES 24 11 2010. ABRACOS DA NORUEGA PRA VC!

Unknown disse...

Reny, que bacana essa história! Como sei que tem muitas outras, como aquela da entrevista que fez com Raul Seixas, fiquei aqui pensando porque você não coloca isso no papel para transforma-lo em livro. Um jornalista com a sua vivência, com a sua experiência, não pode levar consigo parte da história, tem que dividir com os que chegaram depois. Vou ficar aqui torcendo para que pense no assunto. Depois, vou para casa e ouvir Maria Callas pensando em você com ela ao telefone ou mirando o dedo em riste de Passolini. Grande abraço,

Ronaldo Jacobina