Objetivo


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

MÚSICA - COM TANTO SOM ELÉTRICO , PREFIRO A SIMPLICIDADE DO VIOLÃO

                                                                        DORIVAL CAYMMI
Jornal A Tarde em 2 de outubro de 1976
Texto de Reynivaldo Brito

“Os compositores brasileiros não podem viver exclusivamente do direito autoral e a propalada invasão da música estrangeira é uma conversa antiga. O mercado está ai tanto para a música estrangeira como para a música nacional. O que é preciso é que nós, compositores, façamos músicas boas, que terão condições de competir no mercado”. Esta é a opinião do compositor e cantor Dorival Caymmi. Ele adianta que antes dos combates às músicas estrangeiras é preciso pensar que as gravadoras existentes no Brasil são também estrangeiras.
Quanto às mudanças verificadas na MPB nos últimos anos, Caymmi acha que não foram tão significativas. “O que realmente sofreu alterações foi o carnaval, que há 30 anos era feito com música popular brasileira. Era uma festa de rua, uma festa ampla. A música brasileira era cantada por todos. Mas devido à massificação dos meios de comunicação , elementos alheios e estranhos entraram em jogo e o carnaval perdeu a sua pureza, afirma Caymmi, com seu jeito preguiçoso e fala mansa.

                                                   A VITROLA DO PAPAI

O compositor disse que o “rádio brasileiro sempre tocou música estrangeira. Há algumas décadas as operetas e outras peças, geralmente estrangeiras, dominavam os programas. Depois vieram outros gêneros como o “rock and roll “que tem no Elvis Presley seu maior expoente. Admiro este rapaz que conseguiu o sucesso universal, o sucesso total. Agora é a vez de outros gêneros e a música virou som. Hoje as pessoas, principalmente os jovens, não convidam outros para ouvir uma música e sim para ouvir um som. Ora, o som é resultante dos instrumentos elétricos e das vitrolas que podem ser compradas por qualquer adolescente. Lembro-me que a vitrola há algumas décadas era do papai, do dono da casa. Hoje sabemos que qualquer jovem tem sua vitrola e na maioria das casas existe mais de uma, a depender do número de filhos. A vitrola deixou de ser do papai e passou também a ser do filho. Evidente que o gosto do papai não pode ser o mesmo do filho. A própria inquietude e rebeldia do jovem levam-no a procurar novos sons e tomar suas próprias atitudes não somente em relação à música. Ele tanto consome a música estrangeira como a brasileira.

                                                         POVO, O ÚNICO JUIZ

Caymmi afirma que o mercado brasileiro para música está em grande expansão: “Lembro que quando comecei a trabalhar, a população do país chegava a 40 milhões de habitantes. Portanto, são 110 milhões de consumidores que podem ser estimulados para consumir MPB. Devemos ressaltar ainda que o poder aquisitivo de certa forma aumentou. Qualquer estudante pode adquirir um compacto, bastando que economize alguns cruzeiros. Além disso, os disco podem ser encontrados com mais facilidade nos supermercados, bancas de revistas e até livrarias, sem falar nas casas especializadas. O mercado é variado e tem lugar para todo mundo. Eu não posso condenar uma música que, para ser executada precisa de muitos instrumentos eletrônicos, nem a música feita por Waldick Soriano ou Teixeirinha. Existem gostos para todas elas e uma prova disto é o sucesso que eles alcançaram com suas composições e canções. Se você me perguntar se gosto deste tipo de música, evidentemente que não, responderei. Acho que gosto não se impõe. O que é preciso no Brasil é a conscientização no sentido de educar o povo musicalmente”.
-Confesso que não sou um bom ouvinte de rádio e nem tampouco me preocupo com a divulgação do meu trabalho. Tudo isto deixo a cargo da gravadora que produz meus discos. O meu compromisso é com o povo e é dentro deste pensamento que sempre procuro realizar um trabalho que venha atender ao gosto popular. O povo é o único juiz que levo em conta. Acredito que existem muitas transas e atitudes várias para criação de ídolos e lutas de bastidores. Porém tudo isto não me interessa, vivo alheio a estas coisas, porque sou de opinião que o que prevalece é o que é bom. Lembremos que muitas músicas do passado são cantadas , gravadas e regravadas porque agradaram ao povo e até hoje são consumidas por jovens e velhos.O que na realidade me interessa é criar. Se alguém me convidar para ser sócio de uma boite, eu não aceito. Não aceitaria porque eu seria a atração. Iria cantar para atrair gente enquanto o sócio iria tomar conta do caixa. Ora, isto ia me deixar preocupado porque não saberia até que ponto estava a honestidade do cara funcionando. Por isto, continuo e continuarei compondo e cantando onde me comvém”.



                                           LUTA PELO DIREITO AUTORAL

Caymmi acha que o compositor não pode ficar preocupado em fiscalizar se está recebendo os direitos autorais: “Ou o cara fica preocupado em realizar o seu trabalho ou fiscaliza o direito autoral. Prefiro compor despreocupadamente. Se me perguntam se sou prejudicado no pagamento do direito autoral, responderei que todos somos prejudicados. Eu, por exemplo, sou suspeito, porque fui um dos fundadores da Associação Brasileira de Compositores e Autores – ABCA. Isto faz muito tempo e este movimento de conversar com o Presidente da República, Ministros de Estado, senadores e deputados já fiz e participei ativamente. Hoje deixo este trabalho para outros mais jovens do que eu. Lembro que depois da criação desta sociedade fundamos a União Brasileira dos Compositores – UBC.
“Naturalmente com a expansão do mercado, com o surgimento de outros compositores e cantores surgiram outros interesses e novas sociedades arrecadadoras do direito autoral apareceram. Porém, com a unificação e criação de uma tabela única para cobrança, o compositor e o autor foram beneficiados. Não sei como essas sociedades são vistas pelo Serviço de Defesa do Direito Autoral – SDDA. Tenho conhecimento que, neste momento, está acontecendo uma transformação no setor, mas não tenho maiores informações. Acho que já fiz o necessário pelo direito autoral quando comecei em 1938 e hoje deixo esta tarefa para outros”.
Para Caymmi o compositor brasileiro não pode viver exclusivamente do direito autoral. Ele, por exemplo, que tem vários discos gravados, é um nome nacional, precisa estar se apresentando em programas de televisão e realizando shows em teatros para sobreviver. “Todos meus colegas compositores têm que trabalhar . Não conheço compositor que fique num sítio ou numa fazenda criando e vivendo do direito autoral. Basta lembrar que Erasmo Carlos, Chico Buarque de Holanda e Milton Nascimento sempre estão realizando espetáculos e participando de shows para ganhar dinheiro. Se eles assim trabalham é porque necessitam garantir o futuro de suas famílias. Se o dinheiro arrecadado e recebido do direito autoral fosse suficiente, certamente eles trabalhariam menos, como o mesmo acontece comigo. Eu sou compositor e cantor, porque gosto e necessito realizar esta dualidade”.

                                                           SIMPLICIDADE DO VIOLÃO

Uma coisa curioso que lembra Caymmi é que o jovem até a faixa dos 30 anos gosta da música estrangeira e a maioria não entende a letra que é de idioma estranho. Gostam das músicas porque elas são agradáveis, porque são de boa qualidade e bem trabalhadas. “Lembro as trilhas sonoras das novelas ( também internacionais) que agora estão sendo transformadas em disco e recebidas com muita aceitação pelo público, especialmente pelo público jovem. Com isto, quero salientar que essas músicas fazem sucesso porque agradam. Devem ter qualidade para tanto. Já com relação à música popular brasileira eu não tenho condições de dizer se ela é cantada como devia pelo povo, sei que gosta de um samba enredo, como de uma música de Benito de Paula e de uma música barulhenta estrangeira. Tudo isto está ligado a processos industriais e de educação. O Brasil é um país imenso e para você conseguir um certo nível e conhecimento musical será preciso um trabalho de conscientização e educação muito grande, que demanda tempo. O que não concordo é com a imposição de gosto por este ou aquele tipo de música. O nosso papel como criadores é de fazer músicas boas e utilizar da técnica que nos permite trabalhar a música e oferecer um produto de qualidade para ser consumido pelo público”.
Ele concorda que “a maioria das músicas importadas é de boa qualidade e bem trabalhada. Hoje a tônica é o elemento elétrico capaz de reproduzir as notas musicais em altas escalas. Somos hoje um pouco escravos desse processo elétrico. Eu, pessoalmente, não condeno mas, é preciso um certo cuidado porque o que o povo gosta mesmo é da música simples, que fala por si. Hoje é muito comum as pessoas discutirem se aquela faixa do disco tal foi gravada em dez ou mais canais e a potência das caixas de som de sua vitrola. Outros ficam presos a toneladas de equipamentos eletrônicos que dificultam até a sua mobilidade. Todo isto pode ter um certo valor, mas prefiro a simplicidade e grandiosidade do violão”.

                                           COMPARADO A TEIXEIRINHA

- Temos excelentes poetas populares como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Vergueiro e outros que me fogem à memória neste momento. São pessoas com grande capacidade de criação. Realizam um excelente trabalho com consciência e alcançam o povo, o que é importante. Outros fazem ou realizam seu trabalho em outra linha., outros gêneros e também são bem sucedidos. Não tenho condições de fazer críticas ao trabalho de Teixeirinha ou Oldair José. Isto é muito perigoso. Lembro agora que um certo jurado disse-me que eu “estava tirando uma de Teixeirinha”, com a música É Doce Morrer no Mar. Ora, o autor dos versos é Jorge Amado. Os versos estão no livro Mar Morto, de Jorge, e foram musicados por mim. Simplesmente o cara desconhecia tudo e jogou esta do Teixeirinha. É claro que concordo que ele não goste da música. O mesmo ocorre comigo, que não gosto de músicas de certos compositores. No entanto, não declaro em público. O gosto é meu. Individual. Gosto de ouvir “Carolina”, do Chico Buarque de Holanda; “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso; “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, e também composições deste novato , o Luis Melodia”.
Quanto ao autor de “Pavão Misterioso”, Caymmi não quis falar porque “ainda não consegui ouvir a música totalmente. Quando tenho oportunidade de ouvi-la é aos pedaços. Na hora da novela, a técnica achou por bem de apresentá-la aos pedaços e quando estou em casa que começa a tocar esta música, todo mundo passa a cantar e ninguém entende nada. Isto dá uma frustração danada à gente. Tanto os cortes técnicos para a entrada dos comerciais, quanto a barulheira das pessoas que desafiam e fazem barulho. O certo é ouvir, é cantar o que gosta. A música boa se impõe por si. A ruim cai em pouco tempo no esquecimento”.

                                                     RECADO AOS NOVOS

Dorival Caymmi não concorda que esteja ocorrendo uma crise ou um vazio na música popular brasileira. Para ele, temos bons compositores e autores produzindo. O que “está faltando são os festivais para revelar novos valores, a exemplo de Gil, Caetano, Milton e muitos outros. Acho que os festivais, com todas as críticas que fazemos, têm uma finalidade e importância. Nunca estive preocupado com as rotulações de tropicália, tropicalismo e muitas outras. Mas sempre surgem valores e isto é muito positivo. É preciso uma ativação para a gente nova aparecer. Quanto a estes novatos, recomendo a necessidade de trabalhar sua música dentro de um esquema que não falhe, que agrade o povo, que é o supremo juiz. Os jurados ficam de lado”.
Falando sobre seu último disco feito juntamente com Gal Costa, ele afirmou que não tem informações sobre a vendagem porque o pagamento do direito autoral é feito por trimestre e aí estão incluídas outras músicas de outros LPs gravados anteriormente. “Sei que o disco de 78 rotações “Maracangalha” foi talvez o que mais rendeu direito autoral para mim. Na realidade, não estou muito preocupado com as contas. Quero é produzir mais, compor músicas do agrado do público. Isto me satisfaz ".

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