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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

RELIGIÃO - ÁRVORES SAGRADAS RESISTEM À DESTRUIÇÃO

A Tarde , quarta-feira , 31 de janeiro de 1979

Texto de Reynivaldo Brito
Fotos Louriel Barbosa

Arredios ao comportamento místico do povo baiano, engenheiros e arquitetos responsáveis pela abertura de avenidas nos vales de Salvador estão destruindo um patrimônio de grande significado para os descendentes dos africanos, e mesmo para todas àquelas pessoas ligadas ao candomblé. São as árvores sagradas que vieram da África e que representam verdadeiros templos, onde são feitas obrigações da seita. Elas somavam quase duas centenas e, hoje, poucas conseguiram sobreviver.Como afirma o ogã do candomblé do Bogum, Jehová de Carvalho , “assistimos , impotentes e indefesos, a esta profanação. São os babalaôs , yalorixás, obomins, okedes, ogãs e obas que mais sofrem com a dilapidação desses elementos importantes e integrados a nosso culto. Cada árvore sagrada desta tem uma história e muitas chegaram até à Bahia trazidas com muita fé e assim cresceram, e debaixo de suas copas foram feitas e depositadas, no decorrer dos anos, preces e outras formas de manifestação do candomblé.”
Na foto ao lado  fita branca amarrada em seu tronco,a árvore do Terreiro de Menininha do Gantois
Somente na Avenida Mário Leal Ferreira, mais conhecida como a Avenida Bonocô em homenagem a um candomblé que funcionava nas imediações, foram derrubadas mais de dez árvores sagradas. Existiam, ali, dez terreiros de candomblés das nações Ketu e Angola, que tiveram que sair devido à presença dos tratores e caçambas na época da construção da referida avenida. Ali viviam muitas árvores de looku, as conhecidas gameleiras nativas que dominavam a paisagem dos morros e vales, hoje transformados em cortes que mais parecem chagas feitas na terra pelas navalhas dos tratores . Dessas restaram, apenas, a do condomblé da yalorixá Emília, na Baixa da Torre, à beira do Bonocô , e a do babalorixá Walter, que cumpria suas obrigações para Oxalufã.

                                                           ACIDENTES

Contam os freqüentadores do terreiros baianos que muitos acidentes ocorreram e continuarão a ocorrer todas às vezes que essas árvores forem destruídas.Vários operários da prefeitura de Salvador chegaram a recusar-se a derruba-las, e os jovens engenheiros, alheios à mística de seus subordinados , quase sempre os puniam. Mas, eles mantinham o firme propósito e não cortavam as árvores, porque acreditavam que estariam destruindo um bem sagrado. Porém, outros, desconhecendo talvez o valor espiritual daquelas árvores, apressaram-se em executar as ordens dos engenheiros e alguns sofreram acidentes.


Conta a yalorixá Yeneci, do candomblé de Angola, localizado no Alto da Torre, no bairro de Brotas, que conheceu três deles que foram castigados quando deram início ao corte da árvore de Looku , que existia na ladeira da rua Machado de Assis, a poucos metros da Bonocô. Um deles morreu devido a corte da perna provocado por uma serra elétrica, e dois sofreram ferimentos sem muita gravidade.

Na foto a árvore sagrada no Terreiro da Casa Branca,na Vasco da Gama. Há diversas árvores sagradas, segundo o ritual do candomblé.

  BOGUM

A árvore de Azanná Odô, com mais de duzentos anos , trazida da África e dedicada ao culto do orixá da mesma denominação nos terrenos onde está localizado o único terreiro gêge do Brasil, caiu porque pessoas alheias ao culto colocaram veneno em suas raízes. A velha árvore tombou durante uma ventania, enfraquecida que estava pela agressão em sua base de sustentação.Gamo Lokossu, a atual yalorixá da casa, teve uma crise nervosa quando tomou conhecimento do fato e algumas filhas-de-santo rumaram para o local, onde colheram galhos da árvore sagrada, os quais guardam com muito respeito. Elas entoaram o cântico de Azanná Odô, no momento em que apanhavam os galhos.Foi um momento de muita tristeza.
Informa o ogã-rontó Amâncio que existem algumas árvores ao longo das avenidas de vale , principalmente ao sopé das encostas, que possuem alguma semelhança com a Azanná Odô , mas estas não têm lenho. Quando cortadas, exibem uma lã parecida com as da barriguda. Também Não têm espinhos no tronco, ao contrário da verdadeira árvore sagrada que tombou.
Lebram os mais velhos integrantes do candomblé do Bogum que os antigos gêges , vindo do atual Dahomé, residiam nos baixios, em palhoças afastadas da casa principal do terreiro.Era uma comunidade isolada, que ocupava o atual bairro do Engenho Velho da Federação. Cada orixá tinha sua árvore, mas a de Azanná Odô era a mais alta e ali foram feitas centenas de obrigações.
Informa o ogã Jehová de Carvalho que, no sincretismo religioso, esta árvore representava o componente branco do trio dos reis magos que foram à manjedoura de Belém levar suas oferendas ao Cristo recém nascido. Por isto, todos os anos, no dia 6 de janeiro – Dia de reis – eram feitas muitas obrigações.Mas, para surpresa de todos, a velha árvore poderá sobreviver porque do seu tronco caído estão surgindo alguns brotos. Os mesmo aconteceu com a árvore sagrada do terreiro de Mãe Menininha do Gantois, onde do centro de seu tronco, também destruído, nasceu outra árvore que tem uma estranha formação, lembrado uma criança nascendo e, do outro lado, a cara de um tigre.
Na foto ao lado fita branca amarrada em seu tronco,a árvore do Terreiro de Menininha do Gantois

Em todos os candomblés de Salvador existem árvore sagradas, que representam verdadeiros templos. Quando esteve na África , o professor Estácio de Lima, antropólogo baiano, constatou a relação entre essas árvores existentes na Bahia com as do Continente Negro, onde algumas são utilizadas até como urnas mortuárias em determinadas tribos.

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