Objetivo


quarta-feira, 26 de maio de 2010

COMPORTAMENTO - EM CIMA DO MURO

OPINIÃO
Reynivaldo Brito

A esperteza de muitos brasileiros em levar vantagem em tudo tem causando problemas de relacionamento e, também, nas gestões privadas e públicas. Na política o que mais observamos e constatamos é que a grande maioria quer levar vantagem a qualquer custo. Com este olhar ,vejo a dificuldade do PSBD em lançar o vice da chapa de Serra. O festeiro mineiro fica fazendo o jogo do difícil e, assim, a gerente do nosso Guia vai ganhando um falso terreno. Todos sabemos que os mineiros são por cultura matreiros, ficam espiando, como se diz por lá, à espera de uma oportunidade até chegar a hora da vantagem. Talvez, o ex-governador seja adepto desta estratégia e desta forma está minando a candidatura de seu colega de partido.
São coisas inexplicáveis desta política brasileira cheia artimnhas , sem falar nos fichas sujas , os quais conseguiram até modificar o tal projeto ficha limpa para se beneficiarem.
Vamos aguardar até o final desta semana para ver se tem alguma definição sobre a vice do Serra para que o quadro sucessório tenha realmente uma melhor disputa.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

ARTES VISUAIS - RUBEM VALENTIM : O TEMPO É SUA ANGÚSTIA

ARTES VISUAIS
 Jornal A Tarde, segunda-feira, 14 de julho de 1980
 Texto Reynivaldo Brito




Após 13 anos voltava à Salvador o pintor Rubem Valentim , isto ocorreu em julho de 1980, e no dia 14 deste mês publiquei uma reportagem de uma página inteira com este título.


Veja o texto na íntegra:
Treze anos depois, volta à Bahia o artista Rubem Valentim. Uma das grandes expressões plásticas do país e um dos poucos que resiste às influências européias. Uma resistência heróica, que é fortalecida por seu axé e pos sua vontade em preservar e cultuar toda a força da cultura afro-brasileira que carrega em suas veias. Inquieto, emotivo e, acima de tudo, lúcido, Valentim tem muito o que dizer especialmente aos jovens artistas, preocupados com correntes e estilos alienígenas . Vivendo no Planalto Central, pretende agora implantar nos arredores da Capital Federal um pedaço da Bahia. Mas, acha que ainda é pouco, e, além deste centro cultural que vai funcionar em Brasília, pretende abrir um atelier na Gamboa para servir de pouso baiano.
Foto de 7 de janeiro de 1992 O artista,Ivo Vellame  e eu conversando sobre a arte brasileira.
“O tempo é a minha grande preocupação – uma das minhas angústias é ver chegar o tempo final sem poder realizar tudo o que imaginei. Se nasce em coflito com o mundo e/ou o enfrentamos e o deglutiamos ou perecemos. Creio que os artistas ou sensitivos, obviamente, resultam disso e da maneira específica como reagem, criam essa coisa que se convencionou chamar arte – ou como querem atualmente , antiarte, resulta no mesmo – e desafiam o tempo, esta sua maior preocupação, já que o vê fluir, ir-se embora, aproximar-se a morte.Sentindo na carne uma triste solidão, fiz do fazer minha salvação. Artista liberto, libertador, faço meus exercícios plástico-visuais lutando com todas as minhas forças para ser mais humano, mais tolerante nesta época de insólita violência”.
Este é um pequeno trecho do “Manifesto Ainda que Tardio”, do artista Rubem Valentim, criador de uma linguagem plástica-visual ligada aos valores míticos profundos da cultura afro-brasileira. Inquieto, erudito, e muito lúcido, Valentim é um homem capaz de traduzir sua criação plástica e mítica para uma linguagem compreensível e que certamente contribuirá para o entendimento da arte que se faz hoje no Brasil. Amado ou odiado, este artista é inegavelmente um dos mais representativos de uma arte que se quisermos dizer assim brasileira, ligada às suas raízes negras, ligada à cltura afro, com a qual tomou ciência desde os primeiros anos de sua vida, quando sua velha tia frequentava o candomblé e cultuava os orixás mais significativos do culto.
“A arte é um produto poético, cuja exist6encia desafia o tempo e por isso liberta o homem. Isso me afeta de uma maneira total, porque sou um indivíduo tremendamente inquieto e substancialmente emotivo. Talvez, precisamente por isso, busco ávido, na linguagem plástica visual que uso uma ordem sensível, contida, estruturada. A geometria é um meio .Procuro a claridade, a luz da luz. A Arte é tanto uma arma poética para lutar contra a violência como um exercício de liberdade contra as forças repressivas: o verdadeiro criador é um ser que vive dialeticamente entre a repressão e a liberdade.”
Durante o depoimento , do qual participei como entrevistador, confesso que fiquei entusiasmado com a lucidez de Rubem Valentim. Parece um jovem adolescente – só que lúcido – que carrega consigo uma imensa vontade em fazer e emoção. Agora mesmo está construindo um centro cultural em Brasília, que será um pedaço da Bahia plantado em pleno Planalto Central, e por outro lado, procura deixar em sua velha Bahia um pouso com alguns trabalhos para continuar bebendo o axé que tanto serviu de força à sua criação. Ele mesmo revelou, durante o depoimento, que “tive a maldição de sair mais sensível que meus irmãos. Sou um cara inquieto que quer fazer coisas. E desde que me conheço, que sou artista. E sempre gostei de cores e criar.O criador é inconformado e/ou por convicção”.

                                                                     QUEM É

Rubem Valentim nasceu em 9 de novembro de 1922, no Maciel de Baixo, número 17,num pequeno sobrado, hoje conservado pela Fundação do patrimônio Históricoe Artístico da Bahia. Morou no Beco do Seminário e, em seguida, na Gamboa, onde até hoje residem seus pais. É de família humilde e seu pai por ser filho ilegítimo foi encaminhado ao Colégio dos Órfãos de São Joaquim, repositário naquela época dos filhos das mucamas, dos filhos dos mulatos e das negras com brancos. Relembrando sua infância no Maciel, Valentim dissse que certa vez encontrou na rua um caco de vidro azul e partiu para apanhá-lo, mas uma garota mais ligeira pegou o caco de vidro. Inconformado, deu-lhe um empurrão e uma dentada porque queria de qualquer forma aquele caco, pois estava entusiasmado com as cores que refletiam com os raios de sol.
Mas , sua primeira iniciativa foi fazer paisagens e figuras para presépios que todos os anos sua mãe gostava de armar nas proximidades do Natal. Neste época já morava na Rua Futuro do Tororó, e também frequentava as festas populares e os candomblés. As pessoas diziam que ele tinha Omolu, Oxalá e Oxum.Assim, começava instintivamente seu gosto plástico e sua identificação com as manifestações religiosas afros. Preocupado com os problemas místicos, com este grande desafio existencial do homem seguiu pela vida. Estudou odontologia ( contra a sua vontade ) e ainda exerceu durante um ano a profissão de dentista. Na década de 40, lembra-se que pintava paisagens e naturezas mortas. Mas, surgia na Bahia alguns movimentos, ecos do Movimento de 22, no Sul do país. O Arco e Flexa, com Carvalho Filho, Godofredo Filho e muitos outros, e depois a Revista Cadernos da Bahia, com Genaro de Carvalho ( nessa época fazia marinhas) . Valentim fazia sua “pintura secreta”. Não mostrava a ninguém.Porém, foi relizada uma exposição de Lívio Abramo, Bonadei, Segall, Cícero Dias e Di Cavalcanti organizada pelo Marques Rabelo. Nesta exposição foi apresentado o que existia de mais significativo nas artes do Brasil. Era Vasconcelos Maia que liderava Cadernos da Bahia e que contou com a orientação de José Valadares ( embora de uma geração anterior) e deste movimento ainda participavam Wilson Rocha , Claudio Tuiti, Heron de Alencar, Vivaldo Costa Lima, Mário Cravo Júnior, Carlos Bastos, Ligia Sampaio ( que deixou de pintar) e depois Jenner Augusto e Carybé. Quem descobriu que Valentim estava pintando foi Vasconcelos Maia, que mostrou alguns trabalhos a Aldo Bonadei o qual disse mais ou menos assim :Este jovem é uma surpresa e um dos que pode realizar alguma coisa. Tem futuro.”


Depois desta mostra foi organizada pela então Casa da França uma exposição de belas reproduções dos grandes mestres da arte mundial. Foi um novo mundo para Valentim,que recebeu um impacto violento e passou a devorar livros sobre arte na biblioteca de José Valadares. Daí, passou a estudar copiando os principais mestres , porém nunca perdeu sua autocrítica e queria a todo custo encontrar sua linguagem plástica. Mas, este tempo Valentim não renega, pelo contrário, chega a afirmar que feliz daqueles que pegam boas influências , mas é preciso , antes de tudo, encntrar sua própria linguagem plástica. “E , foi por isto que retomei as minhas fontes. Quando fraquentava o condaomblé ficava extasiado com aquele mundo encantado das danças , e das músicas. Era o meu mundo”.
“Minha arte tem um sentido monumental intrínsico. Vem do rito , da festa.Busca as raízes e poderia reencontrá-las no espaço, como uma espécie de ressocialização da arte, pertencendo ao povo. É a mesma monumentalidade dos totens, ponto de referência de toda tribo. Meus relevos e objetos pedem, fundamentalmente, o espaço. Gostaria de integrá-los em espaços urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos.”
“Meu pensamento sempre foi resultado de uma consciência de terra , de povo. Eu venho pregando há muitos anos contra o colonialismo cultural, contra a aceitação passiva, sem nenhuma análise crítica, das fórmulas que nos vêm do exterior – em revistas, bienais, etc. E a favor de um caminho voltado para as profundezeas do ser brasileiro, suas raízes, seu sentir. A arte não é apanágio de nenhum povo, é um produto biológico vital”.
Naquela época discordava de algumas pessoas devido a subserviência à cultura européia.Era o concretismo europeu.Como construtivista geométrico, com ligações muito grandes com suas raízes. Mantinha sua linha singular e a diretriz que desenvolve até hoje. Veio o movimento de cisão e surge o neoconcretismo do Rio de Janeiro, contra o concretismo matemático, mais impessoal. Não assinou o manifesto.
Alguns anos depois foi para a Europa onde manteve contato com a verdadeira arte negra nos museus.A arte negra que hoje não se faz mais na África . Não confundir com a arte negra de fundo de quintal, para agradar aos turistas, que se produz por lá . Viu, também , na Europa e África, muitos copiando Picasso, Braque e muitos outros, fenômeno que ocorre até hoje no Brasil. Conti nuava resistindoe lembra-se que Roger Bastide lhe disse certa vez que o que fazia agora é o que talvez o negro venha a fazer daqui há 50 anos, quando redescobrir suas origens. No festival de arte negra que participou, a África se fez presente através de seus trabalhos, dizia Bastide. Isto, porque muitos, estavam e estão fazendo uma contra-fração da arte negra baseados no folclore. “Como sou um cara que mantenho as minhas raízes e tenho uma consciência muito forte de nacionalidade, fiquei feliz com isto. Esta afirmação veio fortalecer a minha consciência artística, o meu compromisso com as coisas ligadas a mim”.
Quando retornou da Europa , entre 1966 a 967, Rubem Valentim veio participar como convidado da I Bienal Nacional de Artes Plásticas realizada na Bahia, no Convento do Carmo, onde mostrou cerca de trinta trabalhos e ganhou o prêmio no valor de C$5 mil cruzeiros, “pela contribuição à arte brasileira”. Este prêmio gerou uma polêmica muito grande. A inquietude e a força criadora de Valentim voltavam a incomodar os insensatos. O mesmo veio a se repetir na XIV Bienal Internacional de São Paulo, quando apresentou o Templo de Oxalá, o qual foi renegado por alguns, que não chegaram nem a conhecer o trabalho, pois estavam comprometidos com outros artistas e linguagens.
“Intuindo oi meu caminho entre o popular e o erudito , a fonte e o refinamento – e depois de haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos, passei a ver no instrumentos simbólicos, nas ferramentas do candomblé, nos abebês , nos paxarôs, nos oxés , um tipo de “fala”, uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design ( que chamo riscadura brasileira ) , uma estrutura apta a revelar a nossa realidade – a minha, pelo menos – em termos de ordem sensível. Isso se tornou claro por volta de 1955-56, quando pintei os primeiros trabalhos da sequência que até hoje , como todos os novos segmentos, continua se desdobrando”.
O seu templo de Oxalá – “O muro como suporte de obra. No muro, um painel com símbolos , relêvos de madeira brancos, num fundo azul profundo. Dimensóes de 14 m de largura por 4 m de altura. Além de 20 esculturas emblemáticas, brancas, em madeira de diferentes alturas, no chão um tapete verde englobando tudo, uma área de 200m2. Era o Templo de Oxalá, expressão maior da arte de Valentim, que transbordava nos salões frios e europeus da bienal paulista, uma ambiência de plasticidade sacra. O Tempo de Oxalá é a síntese do seu trabalho.
E, o crítico Theon Spanudis afirmava: “Pergunta-se tanto qual é a verdadeira arte brasileira. Tarsila do Anaral, entre 1923 e 1930 foi a primeira a criar um mundo plástico novo, de excepcional nível estético, partindo da realidade brasileira. O segundo foi Volpi, de 1950 em diante. O terceiro, cronologicamente , é Rubem Valentim, o primeiro a brotar em inúmeras obras e criações inéditas todo este mundo mágico e espiritual das entidades étnicas, marginalizadas no continente americano. Esta é a verdadeira arte brasileira. O resto é folclorismo, ou versões brasileiras das modas internacionais”.
Esta lúcida afirmação de Spanudis, que concordo plenamente, reflete exatamente o pensamento de muitos daqueles que enxergam o horizonte e veêm a necessidade de um voltar às coisas que nos rodeiam. Reflete a sensibilidade dgente que sente as coisas que estão por aqui e acham que não é preciso buscar a tristeza européia, que resulta no fazer uma arte secundária. E Rubem valentim é, nestas poucas palavras , um batalhador pela coisa brasileira. Um artista consciente que se rebela contra a colonização e dependência cultural. Ele mesmo lembra que tivemos uma herança barroca e quando veio a Missão francesa, confundiu tudo, justamente quando o barroco sofria influ6encia tropical. Veio o academicismo atéo o Movimento de 22. Mas, continuou resistindo e o Nordeste brasileiro é talvez um núcleo natural de resistência, embora existam as aldeias globais que massificam e destroem. Isto, porque são fndamentadas nas referências européias.
“- Tudo que foi dito acima é o meu pensamento há cerca de 25 anos . Hoje, vejo com satisfação que artistas criadores maduros e jovens inquietos voltam-se, buscam, tomam consciência mais profunda da cultura de base, das raízes culturais da nação brasileira. Esse mundo mítico e místico, poético, às vezes ingênuo, puro e profundo porque entranhando nas origens do ser brasileiro. Transpor criando, no plano de linguagem e dar o salto para o universal, para a contemporaneidade de toda essa poética,m sem se recorrer a intelectualismos estéreis, é que é o x do problema.
                                            
                               CONCLUINDO

A arte brasileira só poderá ser produto poético autêntico quando resultado de sincretismos, de aculturações sígnicas (semíotica/semiologia não verbal) das culturas formadoras da nossa nacionalidade de base ( branco-luso-negro-índio), acrescidas com a contribuição das culturas mais recentes, trazidas pelos diferentes povos de outras nações e que, aqui nesse espaço, Brasil-Continente, comum a todos, se misturam criando um sistema de brasilidade cultural de caráter singular, de rito, mito e rítmo que sejam inconfundíveis, apesar da famigerada aldeia-global. O fundamental é assumir a nossa identidade de povo em termos de nação.

RELIGIÃO - OLGA DE ALAKETO: O CANDOMBLÉ CURA E MATA



A TARDE - TERÇA-FEIRA 8 DE MAIO DE 1979
Texto Reynivaldo Brito

A ialorixá Olga de Alaketo é uma das mães-de-santo mais respeitadas do Brasil. Ela reina em seu terreiro no bairro do Luis Anselmo, em Salvador, onde exerce seu poder temporal e espiritual sobre diversas filhas e filhos-de-santo, ogans, ekedes e outros elementos integrantes do candomblé. Está com 53 anos de idade e tem dez netos. É uma negra bonita e Iansã é “dona”de sua cabeça. Dança divinamente e gosta de freqüentar , em companhia de gente da alta sociedade, a vida noturna do Rio de Janeiro e São Paulo. Quando Denner estava no seu esplendor da alta costura, Olga de Alaketo cansou de exibir sua etiqueta. Como toda mulher, é vaidosa e gosta de se apresentar bem vestida. Porém, na hora de suas “obrigações”, acontece uma brusca transformação. Olga recebe seu santo e reina com toda sua autoridade em Alaketo, que, em ioruba significa um pedaço do céu.E este pedaço do céu está em Salvador, onde ela se sente à vontade , completamente voltada para a sua religião, o candomblé.
É também apontada como a única ialorixá baiana que vive viajando pelo país afora, fazendo trabalhos de recuperação de jovens toxicômanos e também tem um terreiro em São Paulo. Já esteve várias vezes na África e por duas vezes consecutivas participou, como convidada especial, do Festival Internacional da Nigéria. Embora tenha uma vida de rainha, ela está sempre sensível às necessidades de suas filhas-de-santo. E um exemplo disto aconteceu no último festival da Nigéria, pois quando chegou ao aeroporto de Dakar foi informada que só haviam reservado acomodações para ela. Zangada, preferiu dormir no aeroporto, ao lado de suas filhas-de-santo, até que tudo foi contornado. É uma mulher de atitudes seguras e, às vezes, é incompreendida. Aos que lhe procuram, costuma dificultar o estabelecimento de uma diálogo mais demorado. Quase sempre faz cara feia, assustando seu possível interlocutor. Também não gosta de dar entrevistas e muito menos ser fotografada.
Vejam vocês que Olga tinha um filho fotógrafo profissional chamado de Louriel Barbosa, com o qual fiz várias reportagens e,que desapareceu misteriosamente. Ele já maduro foi trabalhar com o jogo do bicho e terminou assassinado.Faço este registro em sua homenagem, lembrando das boas gargalhadas que dava quando enfrentávamos uma dificuldade para realizar uma reportagem.
Mas, voltando a Olga de Alaketo, depois de romper esta barreira, ela se revelava ser uma mulher dinâmica, preocupada com as coisas que acontecem fora do seu terreiro. Aqui ela fala de sua preocupação com a violência, com a falta de respeito de algumas pessoas para com o candomblé e de outros assuntos de importância.


CRÍTICA AO ABUSO

Olga de Alaketo firma que hoje em dia o candomblé é respeitado por muita gente. “É uma religião respeitada.Mas, por outro lado, muitos estão entrando indevidamente no assunto e há alguns até que se arvoram de pais e mães-de-santo e não têm nem uma conta lavada.Isto tira o real valor do candomblé porque confundem as pessoas mal informadas. Outra coisa, é a utilização desenfreada que está acontecendo com alguns compositores que colocam em suas músicas nomes de Orixá e mesmo de mães-de-santo.A esses eu tenho a dizer que tomem cuidado com os exageros. Uma homenagem ainda se admite, mas daí o individuo passar a colocar em suas músicas ou composições parte de coisas do nosso culto é uma afronta e, acima de tudo, uma desonestidade que não podemos admitir”.
Olka diz que existem muitas maneiras de compor sambas , polcas, valsas e outros ritmos. “Mas acontece que não gosto desde tipo de coisa , porque agora estão usando até trajes de iaôs ( iniciadas) durante o carnaval. Para mim, carnaval é carnaval e candomblé é candomblé.Não podemos , assim, permitir que o candomblé seja diminuído. É preciso que as coisas estejam colocadas em seus devidos lugares. Alguns, por exemplo, me perguntam se os turistas me atrapalham. Costumo responder que todos nós somos turistas quando viajamos ou deixamos a nossa cidade. O problema é saber lidar com eles, que muitas vezes não estão acostumados a entrar num terreiro de candomblé. Me dou muito bem com os turistas. Eles chegam aqui, entram e ficam separados. Os homens para um lado e as mulheres para outro. Não me incomodam e muito menos fazem qualquer coisa prejudicial.Muitos ficam até terminar a “obrigação”e não conto quantos já convidei para participar de minha mesa, juntamente com minhas filhas-de-santo. Tudo no mais profundo respeito, e, assim, tenho feito muitas amizades. O que eles não podem e não devem querer saber é de nossos preceitos, que somente a nós do culto pertencem”. De repente ela resolve acrescentar que tem, hoje, pessoas ligadas a seu terreiro que começaram como turistas.”Chegaram, viram e ficaram impressionadas e hoje são gente do culto. O que não posso é revelar os seus nomes”, disse Olga.
A mãe-de-santo volta ao problema da utilização indevida de vestimentas do candomblé no carnaval e por grupos folclóricos e pergunta: “Por que ninguém sai com um castiçal e a hóstia pelo meio da rua? Ora, porque seriam censurados. Ninguém apanha um andor de Nossa Senhora da Conceição e sai por ai cantando samba de carnaval. Mas quando tem a procissão está tudo certo. Daí achar que está errado. O candomblé merece respeito como qualquer religião e deve ser mais recolhido a seus terreiros”.

FORA , NÃO


Ela mesma faz questão de afirmar que fora do seu candomblé, das suas “obrigações”, é uma mulher normal. Por isto é criticada, porque muitas vezes é convidada a participar de festas de casamento, batizado e aniversário ela comparece vestida normalmente, sem qualquer conta ou indumentária que a identifique como mãe-de-santo.Diz ela que o mesmo comportamento têm suas filhas-de-santo , que são instruídas para não comparecerem em quitandas, bares e outros locais vestidas ou trazendo contas sagradas do culto. “As contas são para ser usadas para “fechar”e “proteger” os nossos corpos. Minhas obrigações sagradas .No meu candomblé ninguém faz ou tem este comportamento”.
Olga de Alaketo , a seguir, revela que Antonio Carlos e Jocafi fizeram uma música com ela. “Mas tudo foi feito dentro de uma seriedade e ainda não existia este relaxamento. Também o Martinho da Vila fez uma música em meu nome. Ele não me conhecia, mas mandou dizer que queria me homenagear a terminei por conhece-lo há poço tempo, no Canecão, no Rio de Janeiro, pois eu estava com uns amigos numa mesa, quando me apresentaram. Sou uma mulher viajada, que anda. Mas só ando onde posso me apresentar, porque tenho um nome e uma posição a zelar dentro do meu culto”.
Essas músicas não envolvem nada de santo e é exatamente por isto que Olga de Alaketo não fica aborrecida.O que não admite é chegar em sua casa para tirar pontos de candomblé e mesmo fotografar suas filhas-de-santo dançando ou em transe na hora que recebem o santo. Isto para ela seria um grande sacrilégio, embora tenha conhecimento que outras pessoas deixam. Para Olga, o conhecimento e a amizade, que ela tem em vários estados e até no exterior, são provenientes do bem que ela faz. Ä gente tem amigos porque faz o bem. Não é de música rodando no prato de uma radiola.”


MINHA CRIAÇÃO

Na conversa com o repórter, que durou mais de duas horas, a ialorixá revelou que esta sua disposição de freqüentar , com assiduidade, a sociedade é porque foi criada assim.”Não é nada de vaidade. A minha mãe-de-santo era professora e falava cinco idiomas. Tinha cultura e freqüentava a sociedade e sempre estava a meu lado.Ela falava até o latim, o guarani, e era uma criatura muito relacionada. Ela se chamava Dionísia Francisca Regis, me criou assim e por isto acho que tenho que viver assim.Viverei assim até o fim. Aqui na Bahia tem muita gente que me viu criança e via como eu era tratada na escola. “
E continuou : “Outro dia em São Paulo , uma pessoa me perguntava se me lembrava na professora Basília e respondi que ela tinha sido minha mestra nas escolas Visconde de Cairu e Maria Quitéria. Então relembrou que eu ia com minha tia-avó ou com a professora e tinha minha mesa e moringa para beber água, tudo separado, porque , mesmo estudando, eu fazia minhas obrigações, aliás, faço obrigações desde que nasci.Lembro que sentava separada das colegas. Fui criada assim por causa de minhas obrigações. Quando cresci , freqüentava as casas dos amigos de minha mãe-de-santo e de minha mãe que me gerou. Não é por causa da morte delas que vou me relaxar. Não. Tenho oito filhos, quatro casados, e quatro que estão sob minha responsabilidade, e meus filhos foram criados do mesmo jeito que eu fui criada. Todos têm obrigação, mas participam e têm uma vida normal, relacionando-se com as pessoas que achamos eu devemos nos relacionar”.

BOATES

Revela Olga de Alaketo que vai em boates e restaurantes da moda. “Vou em boates, em restaurantes, teatros, etc. Vou bem acompanhada e sei me comportar. E ainda tem mais : se tiver que dançar eu danço, e como. Só não faço beber, porque não gosto de bebidas. Sei com quem vou. Às vezes, fumo um cachimbo. Sei com quem saio e com quem volto. Não freqüento esses locais com qualquer pessoa. Ai é que está o segredo: em você escolher aquelas pessoas que você pode acompanhar, embora no mundo a gente termine se misturando com quem é bom e ruim”.
Ela afirma que é por isto que “a gente tem que saber escolher as companhias e, quando perceber que4 está no meio de gente ruim, deve procurar imediatamente se afastar. Isto para não levar fama ruim. Assim, minha vida é esta. Visito meus amigos, viajo, mas não vou dançar candomblé. Sou também muito convidada para passear, conhecer as cidades. Ás vezes, também sou convidada para fazer exibição. Lembro que, numa viagem recente que fiz aos Estados Unidos me pediram para fazer uma demonstração e fiz, mas nunca evocando obrigações do culto. Fui, me apresentei e sai em filmes e livros. Na África também já fui com meus filhos e filhas-de-santo e recebo cartas e presentes de amigos que deixei por lá.”


SERIEDADE E HERANÇA

Não quis falar das discussões existentes em torno da seriedade ou não de muitos dos terreiros de candomblé espalhados pelo país, especialmente na Bahia, que são centenas. Disse, que “sobre isto não posso falar, porque não conheço quase os outros terreiros. Conheço pouco o Terreiro do Gantois, que já fui algumas vezes, porque minha mãe era contraparente de Menininha do Gantois e quando me chamam eu vou. Mas não me meto nessas coisas. Acabou. Vou ainda na casa de Irene, que é filha do finado Felisberto Banboché, que era africano. Conheço a raça dele toda na África. Nos conhecemos de muitos anos, porque fomos criados aqui, juntos.Agora, aos outros não vou porque não conheço as pessoas.Fico em minha casa , onde recebo meus amigos, e vou nas festas que sou convidada. Agora, nas minhas horas de obrigação não quero saber de nada. Fico inteiramente dedicada a meu terreiro”.
A seguir, ela fala de seu candomblé .Mostra o imenso terrenos que pertence a Alaketo, em que só podem reinar , ali, pessoas ligadas por sangue. Isto é , parentes consangüíneos. E mulher. Eu sou a herdeira da quinta geração, porque meu pessoal morre muito velho. De mim passará para uma neta ou bisneta. Para filha não vai dar mais. Quando indaguei, por que não seria uma filha a herdeira de Alaketo, ela revelou que “não vou ter mais filha, graças a Deus”.
Mas a senhora não tem quatro filhas, sendo duas casas e duas soleiras? “Tenho,mas elas não podem. Já vêm desde que nascem. Porém, minhas netinhas estão sendo todas elas preparadas , mas ainda não têm nenhuma com o “sinal”. Olga não mais adiantou a respeito deste “sinal” dizendo apenas que “tem uma marca, um sinal”.
Já tem dez netos, sendo sete mulheres, entre elas poderá estar a herdeira do candomblé ou, quem sabe, será uma neta, que ainda nascerá de suas duas filhas e dois filhos, que ainda são solteiros, ou mesmo dos que já estão casados.
A mãe-de-santo Olga de Alaketo fala o ioruba com fluência e diz que embora tenha oportunidade de aprender o inglês e o francês, prefere continuar falando o português e o ioruba, que são línguas de sua cultua. Fala ainda alguma coisa em angola.

A VIOLÊNCIA

Quando perguntei sobre a violência no mundo, Olga disse que “as coisas sempre existiram, mas eram mais reservadas. Não era como agora, esses assaltos, essas coisas. Ontem mesmo presenciei cinco homens pegarem um rapaz, que mora aqui ao lado, para tomar o dinheiro. O que me dói por dentro não é o roubo propriamente , mas a perversidade que estão fazendo com as pessoas. Pegam as pessoas, matam, fasem todo tipo de maldade. Acredito que esses meninos são doentes. São garotos que precisam de conselhos e tratamento . Muitas vezes são recalques que carregam e depois vão despejar em cima de outras pessoas que nada têm a ver com os problemas deles”.
“Os mais velhos dizem que os pais fazem para os filhos pagar. Eu acredito piamente nisto. Me lembro de uma pessoa que viveu muito bacana, mas que aprontou muita miséria para os outros.Essa pessoa morreu e esses filhos têm pago coisas que você duvida. Uns são mais velhos do que eu e outros mais moços. Faz pouco tempo que encontrei como uma, que me perguntou se me lembrava do tempo de criança, quando ela me levava para a escola.Eu respondi que lembrava e fiz críticas a seu comportamento. Ela baixou a cabeça e começou a chorar. Hoje está pagando o que fez o seu pai, quando vivo.”
“Cansei de ouvir os mais velhos dizerem: “Isto que ele está fazendo os filhos dele vão pagar”. E, hoje, vejo eles pagando o que o pai fez por este mundo de meu Deus. É por isto que peço a Deus , para não fazer mal a ninguém, para que meus filhos não venham apagar. Peço a deus que, se tenho que fazer uma coisa para matar, para que me dê forças para acender uma vela para o anjo-da-guarda, para que esta pessoa veja o mal que está fazendo. O indivíduo que faz mal a um e a outro, termina fazem do mal a si próprio, “porque não tem coisa pior, que uma pessoa mal-querida. O problema do tóxico, mesmo, é porque esses meninos vêem os pais deixando as mães, batendo nas mães, e isto revolta as crianças, que terminam por buscar o tóxico. Não tem coisa pior que um filho presenciar uma mãe ser espancada por quem quer que seja, principalmente pelo pai. Daí o tóxico ser uma fuga para esquecer esses problemas e muitos terminam viciados. Tenho cuidado de vários jovens e quando conversamos afloram esses problemas ou outros semelhantes”.


CANDOMBLÉ MATA

Pessoas que desconhecem o candomblé imaginam que tudo é feitiçaria para fazer mal aos outros> Muitos também acham que o candomblé mata e aleija . – Dona Olga de Alaketo , o que a senhora acha desta visão a respeito do candomblé?
-“Bom, vou lhe explicar uma coisa. Não há médico que cure, que não mate.Nem que seja por erro. É mesmo que o candomblé. Não há que não cure, que não mate.Às vezes , não quer fazer por mal. No momento, a gente está pedindo por bem,porque não guardo rancor de ninguém e muito menos quero guardar . Mas,a gente está pedindo para o bem e só vem o mal. Quando vejo uma pessoa falando mal do candomblé, eu deixo falar. Já chamei várias pessoas a atenção por falarem mal do candomblé: O que não está certo é você generalizar.Têm condomblés bons e ruins. Às vezes , até dentro de uma mesma família, têm irmãos bons e ruins. É a Mesma coisa”.
“Outro dia, continua Olga de Alaketo, estava assistindo televisão, onde alguns crentes estavam falando . Apareceu uma moça e disse que era de candomblé e havia abandonado o culto porque lá aprendera a tomar tóxico e generalizou que no candomblé se toma tóxico. Fiquei indignada porque esta moça deveria dizer onde foi que aprendera a tomar tóxico, inclusive revelando o tal terreiro, já que ele existia, segundo ela. Ora, partir daí para generalizar é um exagero e uma atitude errada, porque os terreiros, em sua grande maioria, são locais de obrigações sérias e que merecem respeito. Eu não conheço nenhum candomblé que faça isto. Eu mesmo nem sei distinguir uma flor de maconha. Nunca vi, não quero ver”.


ACREDITA EM DEUS

Continuando seu depoimento , a ialorixá revela que acretida em Deus. “Eu não o vejo, mas o sinto, é uma coisa que sai de dentro de mim, que não sei explicar. Todo é sentido naturalmente. Daí o respeito que a gente tem que ter com o sentimento oculto. As pessoas que procuram o candomblé geralmente estão

RELIGIÃO - FLORES E GALOS BRANCOS PARA ACALMAR O TEMPO


Texto e Fotos Reynivaldo Brito
Jornal A Tarde – quarta-feira 30 de agosto de 1979.


Uma das festas mais significativas dos candomblés da corrente de Angola é a dedicada ao Tempo, que no sincretismo religioso é representado por São Lourenço. Assim, todos os anos, no dia 10 de agosto, os terreiros de candomblé realizam suas obrigações com matanças de galos brancos e oferta de muita comida : acarajés, abarás, pipocas, entre outras, especialmente, às dezenas de crianças que para l;á se dirigem em busca da boa comida da seita. A festa é dedicada ao Tempo e as mães ou pais-de-santo ( yalorixás e babalaôs ) fazem esta obrigação para acalmar o vento que segundo acreditam é “capaz de derrubar e acabar com tudo”. Exatamente num dos terreiros de Angola mais importantes da Bahia – dirigido por Altamira Maria da Conceição Souza a saudosa yalorixá Mãe Mirinha do Portão, foi realizada a festa do Tempo e pela primeira vez permitida a presença de repórter que documentou parte das obrigações. Não foi, no entanto, permitido fotografar a matança , feita sem a presença de vários convidados.
A cerimônia começou com a mãe-de-santo reunindo todas as suas filhas e ogãs embaixo da chamada árvore do Tempo, uma gameleira branca centenária, quando foram entoados cânticos acompanhados pelos atabaques. Em seguida vieram outras filhas-de-santo trazendo nas cabeças tabuleiros e cestos contendo as chamadas comidas brancas.Começaram a dançar e a cantar em louvor ao Tempo.Por mais de uma hora ouviam-se de longe os cânticos ora alegres, ora tristes, todos dedicados a São Lourenço. Era a preparação para a chegada do santo. Depois a festa teria prosseguimento no barracão onde todas se apresentaram vestidas com as cores e trazendo os instrumentos dos seus respectivos Orixás.

                                    AO AR LIVRE

O curioso é que a maior parte da ocorreu na “roça”( terreiro) e também convidados, que, de quando em vez, eram saudados com bocados de pipocas 9 que eles chamam de flores).
Horas depois, os mais ligados ao terreiro foram para o peji ( santuário0 do Tempo para passar ( esfregar mesmo) as pipocas ( flores) nos corpos e especialmente nas cabeças para descarregar o corpo. Um ato feito com muito respeito e crédito pelos integrantes do culto.Alguns, ao terminar de esfregar as flores, jogavam um pouco nos demais. Uma atitude de total descontração, mas que não pode ser levada como brincadeira porque o infrator seria certamente expulso da casa. A mãe-de-santo ordenava o ato e observava, silenciosa, todo o seu desenrolar. Cara fechada e contrita, ela reiniciou cantando os rebates de Angola chamando os “santos”de suas filhas. Um chamamento repetido e cadenciado até que começaram a chegar os Orixás e as filhas e o dono da festa ficaram manifestados. Ao leve toque da mãe-de-santo e com a ajuda de algumas filhas-de-santo os manifestados eram conduzidos para uma parte dos fundos da casa onde foram devidamente restabelecidos, e minutos depois já estavam dançando novamente.

                                          OS MADRASTOS

Muitos acompanharam de longe a festa do tempo. Eram dezenas de pessoas que por razões econômicas ou mesmo doença não podendo participar enviaram seus panos brancos ( madrastos) . Esses panos antes de serem enviados foram devidamente esfregados no corpo ( a exemplo das pipocas) para descarregar, e no terreiro foram dependurados na árvore do Tempo. Ficarão lá durante todo o ano. Alguns não resistem e caem, mas não podem ser retirados do lugar e os que permanecem serão retirados no ano seguinte.
Este ano o Terreiro de Mãe Mirinha do Portão recebeu muitos panos de gente ligada à casa que reside em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e até no Rio Grande do Sul. Este santuário dos panos brancos é chamado de Atim do Tempo, que também recebeu bocados de abado ( milho torrado) colocados pela mãe-de-santo e suas filhas, sua Mãe Pequena, Maria das Graças e seus ogãs no peji.
O milho é torrado apenas com areia. Não utilizam sal, manteiga ou qualquer tipo de óleo. Em seguida , as filhas-de-santo colocaram finas fatias de coco. Porém, quando a pessoa é chamada para esfregar as flores ( pipocas) no corpo, é obrigada a retirar os pequenos pedaços de coco. Eles não permitem que as flores sejam chamadas de pipocas. Explicou um ogã do terreiro que “pipocas são as coceiras que saem do corpo. O que os leigos chamam de pipocas para nós do culto é flor e, é por isso que a gente joga nos convidados e esfrega no corpo para descarregar dos maus-olhados e outras porcarias que os inimigos nos dedicam”.

                                                   MATANÇA

O ponto alto da festa foi a matança dos galos brancos cujo sangue era oferecido ao santo. Desde à tardinha que encontramos as filhas-de-santo com alguns galos nas mãos. Eles estavam sendo preparados para o sacrifício. Porém, as pessoas convidadas e nem o repórter puderam assistir e muito menos documentar. Todos estavam curiosos para presenciar o sacrifício e acompanhar as danças e os cânticos, que foram realizados no barracão com a presença apenas das pessoas ligas do culto.
Informou Mãe Mirinha que ‘fizemos nossas obrigações.O público não pode assistir à matança porque não é bom e temos que acalmar o tempo. Quem é que pode com Ele?”- perguntou, e ela mesma respondeu! “Só a gente fazendo as obrigações para acalma-lo, para domina-lo. Ele derruba e acaba com tudo em qualquer lugar do mundo!”.
No dia 16, o candomblé de Mirinha do Portão teve uma obrigação , quando foram torradas novas flores para Obaluaê, e finalmente em 26 de dezembro, primeiro sábado do mês, será o dia dedicado a Iansã, Santa Bárbara, deusa dos ventos, fogo e das tempestades. É uma das esposas de Xangô, única que lhe fez companhia nas suas campanhas, revelando-se excelente guerreira.

ARTES VISUAIS - A CUMPLICIDADE DOS ILUSTRADORES DE JORGE


Texto Reynivaldo Brito
Foto Arestides Batista

ARTES VISUAIS


O escritor Jorge Amado é um líder nato. Conversando com os ilustradores que a Galeria Anarte reúne na exposição “Universo Amado”, Carybé, Calasans Neto, Carlos Bastos, Floriano Teixeira, Jenner Augusto e Mário Cravo, que será aberta hoje, a partir das 19H30min, podemos sentir o quanto o escritor oitentão representou e representa para eles e, conseqüentemente, para a arte baiana.A maioria está em Salvador graças a este poder aglutinador de talentos de Jorge e do culto de sua amizade. Ele sabe como ninguém cuidar dos seus liderados, sempre dando um aconselhamento. Hoje, evidente que isto é coisa rara, já que seus amigos estão com as cabeças embranquecidas e carregam pelo tempo a experiência vivida em muitos anos de trabalho. Porém, eles guardam um respeito fraternal pela figura de Jorge. Cultuam suas brincadeiras, inquietações e preferências.Ao escrever um novo livro ele sempre detalha os personagens , para que o ilustrador traduza realmente o que imaginou, mas cabe sempre ao artista materializar os personagens do universo amadiano. Assim, teremos oportunidade de ver Gabriela, Tieta, Dona Flor e outros personagens deste mundo mágico criado por este homem , hoje, reverenciado em todo o mundo por sua obra de romancista universal.
Floriano Teixeira está morando em Salvador graças a Jorge Amado.É o ilustrador que em maior número de livros de Jorge está presente.Fez as ilustrações de Dona Flor e seus Dois Maridos, Menino Grapiúna, Milagre dos Pássaros e Morte de Quincas Berro D’água, Tocaia Grande, Farda e do Farda e Fardão, Camisola de Dormir( inclusive uma edição de luxo para Portugal) . Lembra Floriano que “Jorge é responsável por estar morando aqui e por uma virada completa na minha vida. Era um pintor de abstratos e foi ele quem orientou e me incentivou para voltar à figuração. Em 1966, vim como minha família do Ceará para a Bahia. Aqui não conhecia ninguém, e ele me deu Dona Flor e Seus Dois Maridos para ilustrar. Isto abriu as portas para mim, tornei-me conhecido em todo o país e até mesmo fora daqui. Foi uma abertura de portas. Mas esta influência de Jorge na minha obra veio muito antes, quando li Capitães de Areia. E, esta convivência com ele é tão importante, é tão fraterna que a gente não tem mesmo palavras para explicar.”Não é preciso, basta a gente olhar a perfeita identidade da obra e dos personagens de Jorge com as ilustrações que Floriano fez , para sentir a cumplicidade e a parceria.

Já Mário está num ritmo febril de trabalho. Não pára de esculpir em pedra-sabão suas cabeças de Ogum, Exu e belas Iemanjá. Mostra-se inquieto e sem paciência para encontros e entrevistas. Mas, ele tem direito. Já talhou a sua própria existência e obras para a posteridade, Sua figura física e seu jeito de ser combinam com as criaturas que esculpe com maestria, e ser até estranho que ainda tivesse tempo para outras ocupações terrenas...
Outro ilustrador da obra de Jorge é o sergipano Jenner Augusto. De temperamento quieto, caladão e de uma finura no trato à toda prova.É desconfiado que nem índio, ou mesmo caboclo. Fica espiando o que a gente está fazendo e ouvindo as conversas. Não interrompe e nem mesmo dá uma penada. É preciso provocá–lo, do contrário, entra e sai calado. Só vamos ouvir a sua voz quando se despedir. Mas Jenner estava também presente ao bate-papo com esta gente difícil de ser reunida.Ele falou da influência de Jorge na sua vida e obra. Em 1954 morava no Rio de Janeiro e também embarcava na onda mundial do abstracionismo. Num encontro que teve com Jorge Amado , após retornar da Europa, acabou com um conflito que Jenner estava enfrentando. “Eu não estava satisfeito com o que fazia e o aconselhamento de Jorge foi uma luz.Voltei ao figurativo e esta amizade tem vencido décadas”.
Jenner tinha uma vontade acalentada de ilustrar Capitães de Areia, e agora nesta exposição comemorativa dos 80 anos de Jorge realizou o seu sonho fazendo suas obras inspiradas nos meninos de rua.
Mas, a liderança de Jorge conseguindo juntar esta plêiade de bons artistas está presente não apenas nas páginas de seus livros, mas também nos catálogos das suas principais exposições.Eles ostentam as apreciações , sempre póéticas e abalizadas de um homem que também entende e gosta de artes plásticas. Sua casa é sempre ornamentada de muitas obras de seus ilustradores. Jenner é o ilustrador de Tenda dos Milagres, onde conseguiu captar a alma dos personagens, ricos elementos fundamentais que formam o que podemos chamar cultura baiana, tão representada pelo universo dos personagens criados pelo escritor.
O artista Calazans Neto sempre foi ligado ao livro, participando, inclusive, de movimentos literários com outros intelectuais baianos. Existe uma cumplicidade entre o livro e a gravura, uma ligação forte, bastando lembrar as inúmeras ilustrações utilizadas em livros de poesias com gravuras.Uma oportunidade ímpar do artista divulgar o seu trabalho. Um livro de Jorge Amado com 150 mil exemplares em diante passa pelas mãos de cinco ou dez vezes mais de leitores, o que implica num número considerável de pessoas que vai ter oportunidade e ver as gravuras de Calazans neto, além da vantagem da perpetuação do livro. E Jorge Amado, não sendo poeta, mas romancista, foi talvez um dos primeiros no Brasil a utilizar a gravura para ilustrar suas obras, e Cala, como é mais conhecido, deu forma a Tereza Batista, Cansada de Guerra, evidente que seguindo a orientação do seu criador-mor. Jorge chega a detalhar como imagina o rosto, o corpo, aliás, por falar em corpo as suas personagens femininas sempre têm formas cheias, roliças, uma preferência pessoal que ele deixa escapar ao nosso conhecimento.
Lembra Calazans neto que a gravura está muito ligada principalmente a exilo, ao cordel. A primeira ilustração de Calazans para uma obra de Jorge Amado foi, portanto, com Tereza Batista Cansa de guerra em 1973.
Mostrando um contentamento quase juvenil, Calazans revela que a sua segunda oportunidade de ilustrar veio com Tieta do Agreste com uma peculiaridade, porque a personagem era uma pastora de cabras. “Ora, uma perfeita identificação porque já pastoreava minhas cabras pelas bandas de Itapuã e as cabras acompanharam meu trabalho durante um bom período. Caiu a sopa no mel. Isto foi em 1976. Jorge deu a alma a Tieta, e eu a materializei com as formas de minha arte. Fiz uma mulher saída do povo em Tereza Batista e com Tieta segui a mesma linha”. Para esta exposição do Universo de Jorge, o mestre Calá pegou as ilustrações dos livros e as transportou para a tela fazendo uma brincadeira com seu amigo fraternal colocando-o montado num belo cavalo com Tereza Batista na garupa. No seu jeito inconfundível e cativante, o artista deixou escapar uma frase que resume esta ligação com Jorge e seus ilustradores. “Jorge é o criador. As criaturas que ele cria são amadas por seus ilustradores”. Uma identificação perfeita deste homem que é um verdadeiro imã que atrai esta nata do que existe de mais significativo no segmento das artes plásticas em nossa Bahia.
Carlos Bastos revela, além da sensibilidade para com os artistas, o lado humano do escritor: “Tive uma fase onde fiquei quase paralítico e Jorge sempre foi uma presença constante, me confortando e ajudando no que pôde. Trabalhar para um livro dele é uma satisfação que não tenho palavras para descrever.Tivemos cerca de dois anos morando vizinhos e quase sempre ele mandava me chamar para conversar. Eram horas de muita conversa jogada fora. Depois, hordas de turistas começaram a perturba-lo, muitos quase invadindo a sua intimidade, e ele teve que deixar a Pedra do Sal, para nossa tristeza”.
Ele ilustrou o livro Baía de Todos os Santos em 1977. Livro que cita este jornalista numa de suas páginas. Voltando a Carlos Bastos ele disse ainda que “Jorge foi sempre muito cuidadoso, passa detalhes de seus personagens e às vezes orienta como o desenho poderia ser feito. Isto não significa interferência, mas é fruto da convivência e de uma integração maior com seus ilustradores.São 125 desenhos retratando situações e personagens. Neste livro ele mostra toda sua capacidade criativa e conhecimento da arte de desenhar. Diria que Carlos Bastos é um dos mais representativos desenhistas deste país.Poucos conseguem com ligeiros traços traduzir a personalidade, os detalhes de um personagem, de um objeto ou paisagem.
Lembro um imponente painel que ornava a Assembléia Legislativa da Bahia, o qual retratava várias personalidades e gente da Bahia. Este painel foi destruído num incêndio , e até hoje Carlos Bastos lamenta o seu desaparecimento.Aliás, este artista já foi vitima de outros acidentes ou mesmo descaso , como aconteceu com os murais que pintou na antiga Boate Anjo Azul, que ficava no Cabeça, próxima ao Largo Dois de Julho, que foi ponto de encontro da intelectualidade baiana em determinado período.
Além de ilustrar Baía de Todos os Santos, fez a capa de Tieta do Agreste. “Fiz quatro versões, confessa, e o Alfredo Machado, editor de Jorge, acabou escolhendo a que menos eu gostava.”
Sobre a sua presença nos livros de Jorge Amado, Carlos Bastos reconhece a importância e o que representou para ele. Lembra que logo após o lançamento surgiram convites para várias exposições, inclusive uma em Porto Alegre. Sua surpresa maior e agradável foi a presença de Jorge Amado no vernissage. Diz Carlos Bastos que “Jorge é um líder natural. Ele mudou a minha vida, é responsável por eu morar na Bahia, e graças a ele estou aqui até hoje. Diria que Jorge é um mecenas dos tempos modernos”.
Carlos é um artista muito sensível e esses acontecimentos marcaram muito sua vida, como o incêndio do painel citado acima e a censura exercida sobre sua obra, especialmente os murais que fez para a capela no Parque da Cidade do Rio de janeiro, onde pintou rostos de pessoas conhecidas, representando temas bíblicos, e já fazem muitos anos, mas até agora não foi liberado. Também, lembra com tristeza das telas cortadas estupidamente numa exposição que fez na então Biblioteca Pública, que funcionava na Praça Tomé de Souza, em Salvador, onde foi construída a “nova” sede da Prefeitura e o Cemitério de Sucupira.
Também Carybé, um ano mais velho que o homenageado, disse que Jorge é o responsável pela mudança do rumo da sua vida. Sempre viajou muito, e quando o conheceu tinha um emprego de ilustrador e fazia pequenas crônicas de viagem para um jornal argentino chamado Pregon, que veio na época revolucionar o mercado jornalístico de sua terra.Lendo o Jubiabá, no Rio de Janeiro, disse: “Ah! Vou atrás deste cara porque não pode ser verdade o que ele está descrevendo neste romance”.
Nesse ínterim fui aos Correios buscar uma encomenda e recebi uma carta de meu irmão dizendo que o jornal tinha falido. Já estava com dois meses de atraso do meu ordenado.Ele avisava que não mandasse pedir dinheiro porque ele também estava duro. Morava numa pensão e fiz amizade com João Borges, sergipano, que me arranjou uma viagem para Aracaju com o político Josafá Borges, recentemente falecido.De lá segui para Estância atrás do autor de Jubiabá. Fui encontrar Jorge num mafuá. Foi uma decepção. Esperava encontrar um mulato forte, de cabelos encarapinhados destes que tive oportunidade de conhecer no cais e na feira de São Joaquim.Mas, que nada! Encontrei um sujeito magrinho, com um bigode ridículo. Ai fiz o primeiro contato e o início de uma grande e fraterna amizade.Voltei a Buenos Ayres e lá fiz uma exposição dos tipos humanos que desenhei.Demorei por lá alguns anos e retornei ao Brasil. Fui trabalhar na tribuna da Imprensa, no Rio de janeiro, com Carlos Lacerda, fazendo ilustrações e charges. Queriam que fosse diagramador, mas nunca diagramei nada. Até que Rubem Braga fez uma carta me apresentando a Anísio Teixeira. Ao ler a carta, Anísio ficou espantado e disse-me que estava construindo a Escola Parque e lá havia espaço para alguns painéis.Mandou a funcionária que o atendia no gabinete da Secretaria de educação buscar uma folhinha da Esso. Por uma coincidência feliz, a folhinha tinha sido ilustrada por mim. Aí fui ficando e a amizade com Jorge aumentando.Jorge já veio morar na Bahia e fui convidado para ilustrar Quincas Berro D’água, numa edição de luxo.Depois fiz os cenários e figurinos para o balé inspirado no livro que foi apresentado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Para Carybé existe uma identificação perfeita entre as figuras que povoam o seu mundo pictórico e mesmo de relação pessoal e os personagens de Jorge. “É esta gente do povo, rica em sinceridade e alegria.Vivi com esta gente: os bêbados, os mestres de saveiros e de capoeira, as prostitutas, os malandros, enfim, este universo que habita as ruas e ladeiras da Bahia, Com o tempo isto vem se modificando, mas ainda permanece a essência”.
No livro Sumiço da Santa, Carybé foi convidado novamente para ilustrar e colocou a cara de Jorge num personagem muito conhecido na Bahia. O escritor não gostou da brincadeira e “tive que mudar”. Ele prefere não entrar em detalhes , porque o comportamento sexual do cidadão fugia à normalidade e seria perfeitamente identificável.Compreensiva, esta sua atitude de reserva...
Neste instante, Floriano Teixeira entra no bate-papo e diz que também enfrentou uma situação parecida. “Coloquei a cara de Jorge no turco Fadu Abdala , personagem de Tocaia Grande e também em Milagre dos Pássaros, onde o escritor aparece com as mãos cheias de frutos. Às vezes , ele não gosta e volta a detalhar as coisas para que possamos traduzir melhor as suas criaturas. Mas sempre conseguimos driblar, e ele e outros amigos aparecem nos desenhos que incorporam seus personagens”, revela Floriano.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

POLÍTICA - DIPLOMACIA DOS TRAPALÕAES

OPINIÃO

Reynivaldo Brito

A diplomacia tupiniquim ainda estava festejando o desastrado e inócuo acordo entre Irã , Turquia e Brasil. Foram poucas horas de euforia e bolinhos até que as cinco potências que compõem o Conselho de Segurança da ONU reagiram e apresentaram um esboço das sanções que serão aplicadas, caso o Irã dos aitolás não apresente seu misterioso plano nuclear à Agência Internacional de Energia Atômica.
Sabemos que o Brasil não foi descoberto agora ,e sim, em 1500, e que tem uma dimensão continental com mais de 200 milhões de habitantes.Porém, é preciso andar com cautela para alcançar a sua real posição no cenário internacional. Queimar etapas bruscamente sempre foi desaconselhado por qualquer pessoa de bom senso.
Expor agora esta cara de ingenuidade , para não dizer de besta, perante a opinião pública internacional só faz prejudicar a imagem do nosso país.
Agora em junho foi a vez do embaixador sediado no Paraguai e o próprio Itamaraty que não sabiam de nada do que estava ocorrendo no Paraguai .Assim  o presidente Fernando  Lugo foi afastado por um impeachment meteórico  que durou apenas 30 horas e todos o corpo diplomático só soube quando a imprensa estampou a notícia.
Este assessor Marco Aurélio é o retrato da nossa diplomacia...

MÚSICA - A HISTÓRIA DE QUATRO BAIANOS CRIATIVOS

Jornal A tarde – sábado 24 de fevereiro de 1979
Texto Reynivaldo Brito



Imprevisíveis e criativos, quatro baianos iniciaram há dez anos , em Salvador, um movimento musical que tinha como objetivo reunir alguns jovens de talento para formar um grupo. Começaram a procurar os instrumentistas, que aos poços foram chegando e formando o que hoje conhecemos por Novos Baianos. Inicialmente Morais Moreira, Paulinho Boca de Cantos, baby Consuelo e poeta Galvão. Estávamos no ano de 1968 e dois anos depois já lançavam o seu primeiro Lp pela RGE . Vieram vários percalços e muitos não acreditavam que o grupo durasse muito, especialmente pela maneira descontraída que eles viviam e deixavam transparecer ao público uma certa irresponsabilidade .
Mas, nada disto acontecia. O que o grupo procurava era não deixar a peteca cair, e assim ela já está segura há 10 anos. Hoje já podem se orgulhar de terem produzido oito Lps e quatro compactos, sendo que alguns já estão esgotados, a exemplo de Äcabou Chorare, que é uma raridade musical para os colecionadores. Esta música Acabou Chorare , vale a pena lembrar a sua origem. João Gilberto estava visitando os Novos Baianos acompanhado de sua filhinha Bebel Gilberto, hoje, uma cantora de prestígio em vários países, quando ela levou um tombo e ficou chorando. Todos ficaram preocupados consolando-a quando ela falou. “Pai, acabou chorare”. Nesta época João Gilberto estava morando no México e Bebel, que estava aprendendo a falar, misturou o Português com o Espanhol.
A inquietação dos Novos Baianos pode também ser verificada na mudança constante de gravadora. Agora assinam contrato com a CBS e nada menos que três Lps são lançados: “Farol da Barra”, do Grupo , “Geração Som”, de Pepeu e o de Baby Consuelo, além de um compacto com músicas para o carnaval baiano de 1979 e shows que realizaram em várias cidades.
Esta produção rica em quantidade e qualidade é necessária ser citada para demonstrar que os Novos Baianos é um grupo musical que tem certa linha de conduta profissional que lhes garante a sobrevivência.Vencendo inúmeros problemas que vão surgindo. Na verdade são poucos os que continuam unidos após uma longa vida conjunta. No entanto, foi justamente de um desafio jogado no ar – fábrica aberta de novos baianos, onde qualquer cara bom seria aceito – que deu origem a um dos grupos de maior força dentro da música popular brasileira, surgido no período pós-tropicalista, em Salvador, Bahia : Novos Baianos.


                                                           O INÍCIO

Conta o poeta Galvão, que é compositor e mentor do grupo que a estreia dos Novos Baianos aconteceu com o show “Desembarque dos Bichos depois do Dilúvio Universal”
No Teatro Vila Velha, em Salvador, apoiados pelo grupo Leif’s. Para gravação do primeiro disco , Pepeu, Jorginho, Dadi e Gato Félix se uniram ao grupo passando a integrá-lo permanentemente. Anos mais tarde, começaram a acontecer as primeiras modificações: em 197 , um novo elemento integra o grupo que é o Charles; em 1975 sai Morais Moreira e no ano seguinte aparece Dadi, e os ingressos posteriores de Baixinho, Bola e Didi vieram novamente fortalece-lo. Daí em diante a família ficou unida e permanece unidade enquanto faz música.
O disco que acabam de lançar “Farol da Barra”, além de ser título do LP, é também a faixa que abre o disco, mostrando a belíssima composição de Galvão e Caetano Veloso na voz de baby Consuelo.
Explica Galvão que o LP “Farol da Barra”surge exatamente no momento da desraização da música popular brasileira . No momento em que muitos de nossos teatros são transformados em discotecas, este trabalho é uma conscientização da música, de cantar, saber e fazer arte”.
Paralelamente ao lançamento do elepê eles estão fazendo um filme com seis estorinhas com roteiro e direção de Galvão. As estorinhas estão ligadas a fatos ocorridos com os integrantes dos Novos Baianos e todos aparecem em cada uma delas. Vejamos:
A primeira “Charlie Negrito e os Homens”, pantomima, onde se confundem o cinema e o teatro que também servirá para abertura dos shows dos Novos Baianos. Vem a seguir Älma de Palhaço com Bola do Caixão e a Multidão”, terror brasileiro. Depois “ Gato ,Oi Cat”, paranóia brasileira com o Gato Félix.; “Gasolina Versus Rolimã”, com Didi, Baixinho e Jorginho a sessenta quilômetros por hora na serra de Guaratiba; “Aventuras e Sonhos de Paulito Monroe Macarrão 18”, com Paulinho Boca de Cantor; “Serpentina Não é Cobra,Adão”, com Pepeu e Baby, sobre o Gênesis. A mais engraçada de todas, segundo os Novos Baianos será a estória “O esquerdinha, o direitinha, o alienado e o sem lógica”, que será estrelada por Macalé, Evandro, Zé Paulo e o Galvão, respectivamente nos referidos papéis. Eles representam quatro mendigos que moram na porta de um cinema. Diz Galvão que “eles são, a realidade e a fantasia. Uma mistura do real com o ficcional. Para nós não existe limite entre o real e o sonho. Eles se confundem nas boas músicas, nossas ações e em tudo aquilo que fazemos.”


                                                  BRASILEIRO É IGUAL

Falando ainda das dificuldades que encontraram e ainda encontram porque muitos não compreendem toda a extensão do viver e fazer dos Novos Baianos, Galvão diz que “o brasileiro é um jogador e tem muito de Novos Baianos. Aquele cara que um dia está rico e no outro está pobre. A boemia mudou, mas a música continua boêmia. A música troca o dia pela noite e nós trocamos também a noite pelo dia”.
Mas falando sobre a vida em comum de várias pessoas que compõem os Novos Baianos informa Paulinho Boca de Cantor, que a coisa surgiu também de uma necessidade. Isto porque quando íamos ensaiar um show era difícil reunir o pessoal. O percussionista morava em Amaralina, o do instrumento de sopro em Itapagipe,etc. Era difícil reuni-los. Daí passamos a morar juntos e o resultado é que formamos uma comunidade onde vivem várias pessoas inclusive nove crianças , sendo que Baby tem quatro e eu três. Somos os que mais produzimos. Aqui não existe esta conversa de famílias fechadas,constituídas. Existe, é claro, o respeito. Mas meus filhos gostam de mim como de qualquer membro do grupo, embora não sejam nem seus parentes. Os garotos recebem muito afeto de todos, porque somos um grupo unido pelo amor. A presença de muitos garotos fazem deles ( todos) felizes porque têm sempre com quem brincar. Porém todos nós damos orientação a eles que acatam as reclamações. São treinados para aceitar o que pode ou não ser feito, mas evidente com muito mais liberdade que as crianças que vivem encurraladas, nos apartamentos habitados pela classe média brasileira.

                                                                 O FILME

Mas os Novos Baianos estão curtindo mesmo é o filme “Cinema Olímpia”que segundo Galvão tem e não tem a ver com Caetano Veloso. Considero o Caetano um Castro Alves mais bonito porque responde a este momento presente que vivemos. É verdade que Castro Alves é importante e foi presença no momento que viveu. Mas Caetano mudou a cultura brasileira no que existe de mais popular que é a música. Daí, Cinema Olímpia , que foi uma música sua, seja cada vez mais lembrada porque assim estamos prestigiando um e talvez o mais importante compositor de todos os tempos”.
Galvão , com seus 41 anos de idade, ex-engenheiro agrônomo, ex-suplente de vereador com 137 votos em sua terra natal, Juazeiro, é quem assina a maioria das músicas dos Novos Baianos.É o ideólogo, o mentor e faz questão de falar através de frases soltas e cheias de significados secundários. Fala manso e devagar para que você entenda cada uma das palavras pronunciadas. O crítico Tarik de Souza diz que Galvão é a ideologia básica do conjunto, apesar de não participar musicalmente. Seu traço básico é a justaposição de idéias fragmentadas em flashes rápidos e irônicos, costurados pela pontuação rítmica das canções e uma indelével influência gráfica do concretismo. Sem dúvida, isso concorreu para despertar a admiração do ensaísta Augusto de Campos, que os apresentou desta forma no primeiro disco: “Moraes e Paulinho afiaram as vozes num duelo de gumes sonoros que não é mole. Cantam livre, muito livre, mas cantam solto, com graça e com raça as letras cheias de armadilhas que Galvão preparou”.
Os Novos Baianos continuarão dando à música popular brasileira outros frutos através de seus discos e mesmo de pessoas que já os integraram e que hoje produzem independentemente. Outros virão e certamente outros ainda deixarão o grupo, que continuará firme como diz a letra de “Ferro na Boneca”com seus versos visionários : “Não é uma estrada/ é uma viagem/ tão viva quanto a morte/ e mais “No céu azul/ azul fumaça/ uma nova raça / saindo dos prédios para as praças/ uma nova raça? ( Colégio de Aplicação).